TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
291 ACÓRDÃO N.º 19/10 Importa reter, no entanto, que o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucio- nalmente relevantes, incluindo o próprio interesse de ambas as partes; em qualquer caso, à luz do princípio do processo equitativo, os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do pro- cesso e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (Lopes do Rego, «Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil», in Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , Coimbra, 2003, p. 839, e ainda os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 122/02 e 403/02). O Código de Processo Civil consagra o princípio do contraditório, nos termos tradicionalmente aceites, estipulando no seu artigo 3º que «o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição» (n.º 1), e circunscrevendo a «casos excepcionais previstos na lei a possibilidade de ser adoptada uma providência contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida» (n.º 2). Com este alcance, o preceito do Código reflecte a estrutura dialéctica e polémica do processo, visando assegurar um direito de res- posta a qualquer das partes quanto às posições assumidas no processo pela contraparte e, portanto, em relação a qualquer acto processual (requerimento, alegação ou acto probatório) apresentado pelo outro interveniente. A reforma de 1996/1997, através do aditamento a esse artigo de um novo comando (n.º 3), acentuou a relevância concedida à garantia do contraditório no aspecto relativo ao direito de resposta, impondo ao juiz o «dever de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório», com a consequência de não lhe ser lícito, «salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem». Várias outras novas normas constituem uma concretização prática deste princípio, como sejam as dos artigos 264.º, n.º 3, 266.º, n.º 2, 508.º, n.º 4, 684.º-B, n.º 4, 700.º, n.º 3, 725.º, n.º 2, e 787.º do CPC, que contemplam expressamente um direito de resposta em relação a diversas incidências processuais aí espe- cialmente previstas. Neste sentido mais amplo, a regra do contraditório deixa de estar exclusivamente associada ao direito de defesa, no sentido negativo de oposição à actuação processual da contraparte, para passar a significar um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil , 1996, pp. 96-97). Podendo considerar-se consagrada nos sobreditos termos, no plano infraconstitucional, uma acepção ampla da garantia do contraditório que vai além do mero direito de contraditar as razões de facto e de direito e as provas oferecidas pela parte contrária, é, no entanto, discutível que essa seja uma imposição constitucio- nal decorrente do due process of law . Como se deixou exposto, a exigência de um processo equitativo, cons tante do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo e apenas impõe, no seu núcleo essencial, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialéctica que elas protagonizam no processo (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Por tuguesa Anotada , I Tomo, Coimbra, 2005, p. 192, e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 632/99). Um processo equitativo postula, por conseguinte, a efectividade do direito de defesa por aplicação das garantias do contraditório e da igualdade de armas, mas não necessariamente um direito de participação activa no processo em termos tais que qualquer solução que venha a ser adoptada pelo juiz deva ter sido antes debatida pelas partes em todos os seus possíveis contornos jurídicos ou se torne sempre numa solução previsível por dever ter sido necessariamente equacionada pelos sujeitos processuais.
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