TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

290 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II — Fundamentação 2. Tendo-se consolidado o despacho liminar do relator na parte em que rejeitou parcialmente o recurso, em causa está apenas a apreciação de constitucionalidade da norma extraída dos artigos 3.º e 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual, num processo em que a discussão até então travada se tenha limitado à invalidade de uma cláusula de uma convenção colectiva de trabalho por inconsti- tucionalidade material (por violação do disposto nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, da CRP), as partes não tem de ser ouvidas antes de o tribunal julgar nula a mesma cláusula por inconstitucionalidade orgânica [por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP]. Sustenta-se, no acórdão que julgou improcedente a arguição de nulidade, que não se justificava a audição prévia das partes antes de se decidir pela inconstitucionalidade orgânica, porquanto a questão a decidir (que se não confunde com os seus fundamentos) era, sempre e só, a de inconstitucionalidade de uma dada cláu- sula e que nesta questão se compreendem todos os possíveis vícios de inconstitucionalidade porque o tribu- nal, que não pode aplicar normas inconstitucionais (artigo 204.º da CRP), pode decidir com fundamento distinto daquele sobre que versou a argumentação e contra-argumentação das partes. A recorrente critica esta orientação alegando que o princípio do contraditório constitui uma mani- festação do direito à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.º 1, da CRP) e do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP). Que a dimensão constitucional do princípio do contraditório proíbe que qualquer questão seja judicialmente decidida, ainda que se trate de questão do conhecimento oficioso, sem que às partes seja dada oportunidade processual de se pronunciarem sobre essa precisa questão. Que a inconstitucionalidade orgânica é uma questão autónoma e independente daquela que estava suscitada no processo. E que os referidos direitos fundamentais a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efectiva impõem que, como garantia do princípio do contraditório, a inobservância deste se projecte no concomi- tante desvalor jurídico dos actos processuais afectados pela violação daquele princípio ou a que esta tenha dado causa (nulidade processual). É o que cumpre apreciar. 3. O artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efective – na conformação norma- tiva pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz - através de um processo equitativo (n.º 4). Para o processo civil, a jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de acção e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo ( dossier ); (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, p. 415). Como oTribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correcto funcionamento das regras do contraditório (Acórdão n.º 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional , 11.º Vol., p. 741). Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras” (entre muitos outros, o Acórdão n.º 1193/96).

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