TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

289 ACÓRDÃO N.º 19/10 Concluindo, diremos que não houve decisão-surpresa e que, por isso, não havia necessidade de con- vidar a recorrida para exercer o contraditório, antes da prolação do acórdão, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das inconstitucionalidades invocadas pela recorrida no que toca à interpretação do artigo 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC). A Liga Portuguesa de Futebol Profissional interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do artigo 202.°, in fine , do artigo 205.°, n.° 1, e do ainda do complexo normativo formado pelos artigos 3.° e 201.º, n.° 1, todos do CPC. Por despacho do então relator, o âmbito do recurso de constitucionalidade foi restringido à apreciação de uma dessas questões, que se encontra assim identificada: Inconstitucionalidade do complexo normativo formado pelos artigos 3.º e 201.º, n.º 1, do CPC, na interpre- tação segundo a qual não constitui nulidade processual por violação de formalidade essencial a omissão de convite para exercício do contraditório quando o tribunal decide julgar organicamente inconstitucional uma norma cons­ tante de uma convenção colectiva de trabalho, quando a discussão nos autos (e, em especial, o objecto do recurso de revista tal como ele fora delimitado pelas conclusões das alegações) se limite à arguição da inconstitucionalidade material dessa mesma norma convencional, por violação do direito fundamental a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo (artigo 20.º, n.°s 1 e 4, da CRP). Prosseguindo o processo, a recorrente alegou, formulando as seguintes conclusões: “1.ª O princípio do contraditório constitui uma manifestação do direito fundamental à tutela jurisdicional efec- tiva (artigo 20.º, n.º 1, da CRP) e do direito fundamental a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP). 2.ª A dimensão constitucional do princípio do contraditório posterga que nenhuma questão pode ser judicial- mente decidida, ainda que se trate de questão do conhecimento oficioso do tribunal, sem que seja dada às partes a oportunidade processual de sobre ela se pronunciarem. 3.ª Os referidos direitos fundamentais a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efectiva impõem que, como garantia do princípio do contraditório, a inobservância deste se projecte no concomitante desvalor jurídico dos actos processuais afectados pela violação daquele princípio ou a que esta tenha dado causa. 4.ª As questões de inconstitucionalidade de normas jurídicas, mesmo as de fonte convencional, são delimitadas, no que ao caso presente interessa, por dois elementos essenciais: i) A concreta norma (ou interpretação normativa) julgada inconstitucional ou cuja inconstitucionalidade foi arguida no processo; e ii) As normas ou os princípios constitucionais paramétricos e que servem de fundamento ao juízo de inconstitucionalidade ou à arguição desta. 5.ª Desse modo, cada binómio “norma aplica(n)da norma constitucional violada” constitui uma diferente “questão de constitucionalidade.” 6.ª A invocação, mesmo oficiosamente pelo tribunal (artigo 204.º da CRP), da inconstitucionalidade de uma mesma norma jurídica por violação de diferentes normas ou princípios constitucionais, constitui a invocação de uma nova “questão de inconstitucionalidade” normativa, relativamente à qual se deve assegurar a observância do princípio do contraditório. 7.ª Consequentemente, a interpretação do complexo normativo formado pelo artigo 3.º do CPC e pelo artigo 201.º, n.º 1, do CPC, segundo a qual omissão de convite para exercício do contraditório quando o tribunal decide julgar organicamente inconstitucional uma norma constante de uma convenção colectiva de trabalho – quando a dis- cussão nos autos (e em especial o objecto do recurso de revista, tal como ele havia sido delimitado pelas conclusões das alegações) se limite à arguição da inconstitucionalidade material dessa mesma norma convencional – não dá causa a uma nulidade processual, é uma interpretação materialmente inconstitucional por violação dos direitosfundamentais a uma tutela jurisdicional efectiva e a um processo equitativo (artigo 20.º, n. os 1 e 4, da CRP). O recorrido não apresentou contra-alegações.

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