TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
284 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Daí que seja obrigação do legislador conciliar estes diferentes interesses do processo penal. Ora, a solução normativa da notificação por via postal simples, se não é capaz de assegurar, com uma certeza absoluta, que o arguido teve conhecimento da data designada para a realização do julgamento, ofe rece garantias suficientes de que o respectivo despacho é colocado na área de cognoscibilidade do arguido em termos de ele poder exercer os seus direitos de defesa. Na verdade, não se pode dizer a respeito desta forma de notificação que a mesma não é idónea a trans- mitir o acto notificando ao conhecimento do destinatário. E muito menos se pode dizer que a notificação em questão seja realizada relativamente a arguidos que nem sequer conhecem formalmente a pendência de um procedimento criminal contra si – como, aliás, suce deu na maioria dos casos acima referidos que foram submetidos ao crivo do TEDH. Pelo contrário, tenha-se presente que a solução legal da notificação por via postal simples pressupõe sempre o prévio contacto pessoal do arguido com o processo, consubstanciado, pelo menos, na respectiva constituição como arguido e na respectiva sujeição a termo de identidade e residência. Por outro lado, o receptáculo postal para o qual é remetida a notificação pelo funcionário judicial e no qual é realizado o depósito pelo distribuidor postal é exclusivamente escolhido e indicado pelo próprio arguido. É certo que não ficam cobertas as situações em que o arguido, por qualquer motivo ( v. g. por ter mudado de residência, por se ter ausentado temporariamente, por desleixo) deixa de aceder ao referido receptáculo postal, sem que previamente comunique essa situação ao tribunal. Mas o não conhecimento pelo arguido do acto notificado nestas situações é imputável ao próprio arguido, uma vez que, a partir da prestação do termo de identidade e residência, passou a recair sobre ele o dever de verificar assiduamente a correspondência colocada no receptáculo por si indicado e de comunicar ao tribunal qualquer situação de impossibilidade de acesso a esse local. Se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne efectivo esse conhecimento. Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir. Além disso, faz-se notar que o depósito da carta pelo distribuidor postal não gera nenhuma presunção inilidível de notificação em caso de erro do distribuidor postal e é rodeada de algumas cautelas processuais. De facto, importa ter presente que o despacho que designa data para a audiência de julgamento deve ser notificado ao arguido, pelo menos, 30 dias antes da referida data – para permitir a organização da defesa e para prevenir também eventuais ausências superiores a 5 dias –, e que essa notificação é também realizada na pessoa do defensor, o qual, em regra, na observância dos seus deveres profissionais, não deixará de tentar entrar em contacto com o arguido para efeito de preparação da defesa. Caso o arguido esteja efectiva e genui namente contactável para efeito de intervenção no procedimento criminal, raramente se frustrará a comu- nicação entre o defensor e o arguido durante o referido prazo de 30 dias que antecede o início da audiência de julgamento. Finalmente, e ainda que as garantias previstas para uma dada fase processual não possam ser completa- mente postergadas com base na invocação de garantias previstas para a fase processual subsequente, não se pode deixar de relembrar que a defesa do arguido ausente é sempre assumida pelo defensor e, que nesse caso, a lei exige a notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal, estando assim minimamente acauteladas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso (artigos 333.º, n. os 5 e 6, e 334.º, n.º 4, do CPP). Ponderados todos estes dados, conclui-se que a modalidade de notificação aqui em análise não deixa de satisfazer a exigência de que deve ser proporcionado ao arguido um efectivo conhecimento da data da reali zação da audiência de julgamento, de modo a que este possa exercer os seus direitos de defesa. Deve, assim, este recurso ser julgado improcedente porque não se vislumbra que a interpretação norma- tiva aqui fiscalizada viole qualquer parâmetro constitucional, maxime as garantias de defesa do arguido em processo criminal e o direito fundamental a um processo equitativo.
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