TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

266 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Neste juízo, não pode ignorar-se que, na sua formulação geral e abstracta, a interpretação normativa em causa é susceptível de abranger situações em que o arguido é colocado numa posição real de impossibilidade de formular adequadamente o seu recurso (ou até de tomar a decisão de recorrer, ou não), por desconhecer os contornos e a extensão exacta da decisão objecto desse recurso. Por isso mesmo, a interpretação sub judicio não pode partir do pressuposto de que apenas são abrangidos casos em que o conhecimento da decisão sobre o pedido de correcção da sentença é absolutamente irrelevante para o exercício do direito ao recurso. Tendo exclusivamente na mira as situações de aproveitamento abusivo, com intuitos dilatórios, de uma previsão de incidentes pós-decisórios, o legislador, nesta interpretação, acaba por penalizar os arguidos para quem o conhecimento da decisão quanto ao pedido de correcção (e, com ele, da configuração última da sentença) é, genuinamente, condição de um adequado exercício do direito ao recurso. Isso mesmo é reconhecido pelo Ministério Público, quando refere, nas respectivas alegações, que «em casos extremos, se essa correcção levar a que a motivação do recurso perca algum sentido, então terá de ser dada oportunidade ao arguido para alterar essa motivação, adequando-a à decisão corrigida». E o mesmo pensamento está subjacente ao legislador da reforma dos recursos em processo civil de 2007, quando prevê a possibilidade de abertura de novo contraditório, nos termos do artigo 670.º, n. os 3 e 4, do CPC, acima referido. Uma “válvula de escape” deste tipo permite atender suficientemente ao interesse em combater dilações totalmente injustificadas, pois, nos casos (presumivelmente os mais numerosos) em que o teor da decisão sobreo pedido de correcção da sentença vem revelar que o seu conhecimento era irrelevante para a formu- lação do recurso, não há qualquer alongamento do prazo para recorrer. Mas, ao mesmo tempo, não deixa sem protecção as situações, que não podem ser desconsideradas, em que se verifica o inverso. A incerteza existente, quanto à relevância da decisão sobre o pedido de correcção, no momento da sua interposição, e só desfeita no momento em que ele é decidido, não paralisa desnecessariamente o ritmo processual normal, mas também não obstaculiza o exercício adequado do direito ao recurso. O que se consegue facultando ao arguido, a posteriori , quando tal se justifica, e em excepção ao princípio da preclusão, um ajustamento do recurso aos termos finais da sentença corrigida. Solução que, é certo, acarreta para o arguido o ónus suple- mentar de reformulação de uma peça processual já apresentada. Mas esse é um ónus claramente não exces- sivo, em face das vantagens associadas. Simplesmente, é tudo menos certa a aplicabilidade desta solução em processo penal. Ela só poderia afirmar-se ao abrigo do princípio geral do contraditório ou de juízo interpretativo que considere supletivamente aplicável a regra do artigo 670.º, n.º 3, do CPC ao processo penal. Não cabe a este Tribunal Constitucional tomar posição, por se tratar de aplicação de norma no plano do direito ordinário. Cumpre apenas chamar a atenção para que a disciplina dos prazos processuais constitui matéria de direito estrito, por razões óbvias de segurança e certeza jurídicas. Faz-se aqui sentir, com redo- brada intensidade, o princípio da determinabilidade da lei. E no âmbito do processo penal, em que o direito ao recurso é uma das garantias de defesa constitucionalmente reconhecidas ao arguido, qualquer esbatimento da segurança jurídica quanto à disciplina da articulação entre um pedido de correcção e o direito ao recurso é de molde a comprometer a efectividade deste. Ora, a aplicação supletiva de normas de processo civil está dependente do juízo, sempre sujeito a contro- vérsia, como, aliás, já se verificou neste campo, da existência ou não de uma lacuna. Pode duvidar-se ser esse o caso, atenta a exaustiva regulação dos recursos em processo penal, contida no respectivo código. Por outro lado, a questão de saber qual o momento a partir do qual se conta o prazo para recorrer não pode ficar dependente de interpretações que convoquem princípios jurídicos. Estes não nos dão, de forma acabada e imediata, uma solução do caso, apenas apontam o sentido da solução a construir por mediação judicial. Só uma regra de fixação precisa do termo inicial do prazo de recurso, quando requerida uma aclaração ou correcção da sentença, de aplicação certa em processo penal e dotada de um conteúdo que preserve a utilidade, para efeitos da interposição e da formulação do recurso, em todos os casos, do conhecimento do

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