TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

263 ACÓRDÃO N.º 16/10 Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), que estabelecia que o prazo para o recurso só começava a correr depois de notificada a decisão proferida sobre requerimento de rectificação, aclaração ou reforma da sentença. Como refere Vinício A. P. Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários , Coimbra, 2008, pp. 808 e segs., «[E]ntendiam uns que, não dispondo o CPP de norma sobre a eventual suspensão do prazo para interposição de recurso nos casos em que tivesse sido pedida a reforma, aclaração ou correcção da sentença, devia tal omissão ser suprida com o regime constante do CPC, nos termos do artigo 4.º do CPP. Outros, pelo contrário, defendiam a inaplicabilidade do disposto no citado artigo 686.º do CPC, dado que o CPP contém uma regulamentação dos recursos autónoma e independente do CPC.» Como referido, o artigo 686.º do CPC foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto (artigo 9.º). Este diploma operou, no âmbito do processo civil, a revisão do regime de arguição dos vícios e da reforma da sentença, ao estabelecer que, cabendo recurso da decisão, o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma é sempre feito na respectiva alegação (cfr., no que respeita ao esclarecimento ou reforma da sentença quanto a custas e multa, o artigo 669.º, n. os 1 e 3, do CPC, na redacção actual). Em contrapartida, o regime processual civil passou a prever a possibilidade de abertura de novo con- traditório, nos termos, nomeadamente, do disposto no n.º 3 do artigo 670.º do CPC, segundo o qual o «recurso que tenha sido interposto fica a ter por objecto a nova decisão, podendo o recorrente, no prazo de 10 dias, dele desistir, alargar ou restringir o respectivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida, e o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.» Tendo-se mostrado necessário, para melhor enquadrar a questão em apreço, este excurso pelo processo civil, não importa, no entanto, aprofundar o respectivo regime, nem tal seria possível atento o objecto do presente recurso, que, como vimos, não abrange a questão de saber se as regras do processo civil são, nesta parte, aplicáveis ao processo penal. 10. Desde a revisão constitucional de 1997 que o «direito ao recurso» se inclui expressamente entre as garantias de defesa em matéria penal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição). O que significa que o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição. A vertente do direito ao recurso que aqui importa convocar é a que exige que o processo esteja estrutu- rado de modo a permitir o efectivo exercício desse direito, pois a sua proclamação constitucional implica que o Estado fique vinculado a emitir as normas organizatórias e procedimentais adequadas e necessárias ao seu cabal exercício por parte dos interessados. A interpretação questionada é, prima facie , susceptível de contender com essa dimensão do direito ao recurso, na medida em que obriga o recorrente a formular um recurso e respectivas alegações sem poder aguardar o resultado de um pedido de esclarecimento ou correcção da sentença. Sob este ponto de vista, não se mostra desprovida de fundamentação, nos planos conceptual e funcional, uma distinção entre dois grupos de situações, reguladas na alínea b) do n.º 1 do artigo 380.º Aí, debaixo da epígrafe “correcção da sentença”, estão contemplados os casos de erro ou lapso, por um lado, e os de obscuri- dade ou ambiguidade, por outro. Ora, ainda que a lei processual-penal os regule unitariamente, contrariamente ao que faz o Código de Processo Civil (cfr. os artigos 667.º e 669.º), poderá dizer-se que, pelo menos em teoria, o segundo grupo de situações levanta obstáculos mais sérios à efectividade do direito ao recurso. Na verdade, quando está em causa uma obscuridade ou ambiguidade, o arguido defronta-se com uma opacidade, maior ou menor, do conteúdo da sentença, que pode não lhe permitir alcançar, com um mínimo de certeza, o seu sentido e alcance, de modo a ter por definido o objecto da sua contra-argumentação. Já quando está em causa um erro, sobretudo quando se trata de um erro de escrita ou de cálculo, ele, em regra, não só é manifesto ou patente, como a sua rectificação não levanta dificuldades de maior, sendo possível por uma leitura integrada da sentença. Na maioria das vezes, o erro não é, pois, susceptível de afectar a posição do recorrente. Nomeadamente, naqueles casos em que este, independentemente do despacho que

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=