TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
256 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I — Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A., e recorrido o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP, e o Ministério Público, foi interposto recurso de consti- tucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos: «A., recorrente no processo à margem referenciado, inconformado com a apreciação e decisão desse Venerando Tribunal, vertido no acórdão da conferência, acerca da invocada inconstitucionalidade material do artigo 380.º da Código de Processo Penal (CPP), quando interpretado no sentido em que este normativo legal “estabelece um regime próprio de correcção das decisões judiciais que difere substancialmente dos arti gos 667.° e 669.º, ambos do Código do Processo Civil, desde logo porque a discordância relativamente a uma decisão judicial, assim como os erros de julgamento ou as suas omissões como omissões de pronúncia, só pode motivar recurso, se o mesmo for admissível e não um pedido de aclaração que iria implicar, a ser aceite, uma modificação essencial da decisão em causa, o que o artigo 380.º, n.° 1, do CPP não consente”; e em consequência “nos termos do disposto no artigo 411.º do Código do Processo Penal o prazo para interposição do recurso é de 20 dias a contar de, tratando-se de sentença, do respectivo depósito. Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada aquele prazo é elevado para 30 dias (…); pelo que em Processo Penal, à data da apresentação do recurso – antes de 2 de Janeiro de 2008 – era inaplicável o “artigo 686.º do Código do Processo Civil ao processo penal” por força do artigo 4.° do CPP. E, em consequência, entendeu esse Venerando Tribunal que tal interpretação do artigo 380.º do CPP não viola os princípios constitucionais consagrados nos artigos 205.º, n.°1 – dever de fundamentação das sentenças na forma prevista por lei – e 32.º, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) – princípio das garantias de defesa de processo criminal, incluindo o direito de recurso. Da “decisão surpresa”: Sem que nada o fizesse prever, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães agora posto em crise sustenta que: “O artigo 686.º do Código do Processo Civil foi revogado pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto”. Pelo que seria inaplicável ao processo em causa já que “Este novo regime foi ditado pela necessidade de imprimir maior celeridade processual, evitando a formulação de pedidos de cor- recção, arguição de nulidades, e pedidos de esclarecimento manifestamente dilatórios com o único propósito de dilatar o prazo de interposição de recurso. Celeridade processual que se acentua no âmbito do processo criminal...” Salvo o devido respeito que é sempre muito, ainda que se aceite e compreenda a necessidade da aceleração processual que, em boa verdade se diga, na maioria das vezes não depende das partes ( in casu do arguido/ recorrente), sempre se dirá que sustentar como sustenta o aresto da Veneranda Relação de Guimarães que a revogação do artigo 686.º do Código de Processo Civil (CPC) o tornaria inaplicável ao caso em concreto sempre será uma decisão ilegal e inconstitucional. Isto porque, o artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, determina expressamente a sua inapli- cabilidade aos processos em curso, como é o caso deste que se aprecia. Sendo ainda certo que, a revogação do artigo 686.º do CPC só operou em 1 de Janeiro de 2008, ou seja, bem depois da interposição do recurso em 8 de Novembro de 2007. Para além da violação expressa da lei decorrente da aplicabilidade da revogação do artigo 686.º do CPC ao caso em apreço, sempre se dirá que a redução das garantias dos cidadãos, concretamente do direito de conhecerem com o rigor exigível a real fundamentação de sentenças (neste caso condenatória), para dela poderem interpor recurso cabal (sobretudo atento o princípio da preclusão), ainda que esta limitação decorra da alteração de leis processuais redutoras desse direito (de interposição de recurso quando haja rectificação, aclaração ou reforma de sentença) viola expressamente o artigo 18.º, n.° 3, da Lei Fundamental.
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