TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
250 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com efeito, a circunstância de, «em abstracto», o trabalhador ver o conteúdo da sua posição jurídico- -laboral sofrer alterações no decurso da relação jurídica de emprego, só por si, não basta para que se possa considerar sequer existir uma frustração de expectativas. Para tanto seria ainda necessário demonstrar que, «em concreto», a alteração em causa vem afectar expectativas geradas em virtude do regime jurídico-laboral existente no momento da constituição da relação jurídica de emprego. Ora, é difícil sustentar que «consubstancia uma situação de todo inesperada» a alteração na posição jurí dica dos trabalhadores, consistente em sujeitá-los a um regime de mobilidade geral e de maior flexibilidade (em relação ao que lhes era anteriormente aplicável) quanto ao tempo, lugar e modo da prestação laboral. Na verdade, nenhuma norma constante dos diplomas que a Lei n.º 12‑A/2008 veio revogar, respei tante à aprovação ou alteração dos quadros de pessoal dos órgãos ou serviços a que é aplicável (artigo 116.º), garante a posição jurídica dos trabalhadores, em termos de neles poder ter criado a expectativa de as suas condições de trabalho – no que respeita a regras de mobilidade bem como no que respeita ao tempo, lugar e modo da prestação laboral – serem de tal forma rígidas que jamais seriam susceptíveis de sofrer alterações. Basta tomar, como exemplo, entre muitos outros possíveis de entre os diplomas revogados, o Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro, aí sendo regulado o regime de mobilidade (artigos 19.º e seguintes) em termos tais que, longe de poder servir de fundamento à criação de expectativas de uma situação de imodificabilidade da posição jurídico-laboral do trabalhador titular de um vínculo definitivo, demonstra bem a permanente sujeição do trabalhador a ver a sua posição jurídico-laboral sofrer alterações ditadas pelo interesse público. Aliás, bem vistas as coisas, qualquer outro entendimento seria indefensável. É que a mobilidade dos trabalhadores da Administração Pública é matéria que, pela sua própria natureza, tendo em conta a necessi- dade de uma eficiente gestão dos recursos humanos, carece de ser testada e revista periodicamente, não sendo razoável, por assim se comprometer de modo excessivo a prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da Constituição) assim como o modelo de boa administração que lhe é inerente, a cristalização do regime no momento da constituição de cada relação jurídica de emprego público. Com efeito, tal cristalização traduzir-se-ia em custos administrativos incomportáveis em matéria de gestão de recursos humanos, pois, na hipótese de sucessão de leis que viessem alterar o regime de mobilidade, poderia gerar-se uma situação em que, no limite, se seria obrigado a aplicar um regime de mobilidade dife- rente para cada trabalhador, em função do momento da constituição da relação jurídico-laboral. Além de incomportável da perspectiva de uma necessária harmonização de regimes de mobilidade – se cada regime aplicável a cada trabalhador contivesse regras diferentes, tal poderia levar à incompatibilidade e, portanto, neutralização de cada regime individualmente considerado e, em agregado, de todo o sistema de mobilidade – tal situação seria dificilmente tolerável face à exigência de existência de regras mínimas de uniformidade de tratamento dos trabalhadores da Administração Pública. Por ser desrazoável admitir tal cenário, jamais pode, consequentemente, admitir-se a criação de qualquer expectativa por parte do trabalhador de que assim seja, pois, de outra maneira, estar-se-ia a admitir a hipó- tese de os indivíduos criarem expectativas em relação a comportamentos desrazoáveis por parte do Estado (entenda-se, do legislador). Aliás, ainda que, por absurdo, se considerassem cumpridos todos os requisitos ou “testes” relativos às “expectativas” dos privados, jamais, pelos fundamentos acabados de articular, se deveria dar por verificado o quarto “teste”, relativo à inexistência de razões de interesse público que justificassem, em ponderação, a não continuidade do comportamento estadual. Ora, sendo os “testes” estabelecidos para a tutela jurídico-constitucional da confiança cumulativos, o facto de um deles se não cumprir basta para que se não possa, com esse fundamento, julgar inconstitucional as normas sub judicio .
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=