TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
249 ACÓRDÃO N.º 154/10 No Acórdão n.º 287/90, o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da protecção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de «retroactividade inautêntica, retrospec- tiva». Neste caso, à semelhança do que sucede agora, tratava-se da aplicação de uma lei nova a factos novos havendo, todavia, um contexto anterior à ocorrência do facto que criava, eventualmente, expectativas jurí dicas. Foi neste aresto ainda que o Tribunal procedeu à distinção entre o tratamento que deveria ser dado aos casos de «retroactividade autêntica» e o tratamento a conferir aos casos de «retroactividade inautêntica» que seriam, disse-se, tutelados apenas à luz do princípio da protecção da confiança enquanto decorrência do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição. De acordo com essa jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da con- fiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da propor- cionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). Como se disse no Acórdão n.º 188/09 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) os dois critérios enunciados são finalmente reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, de- vem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na «estabilidade» da ordem jurídica e na «constância» da actuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui protecção. Por isso, disse-se ainda no Acórdão n.º 287/90 – e importa ter este «dito» presente no caso – que, «em princípio, e tendo em conta a autorevisibilidade das leis», “não há (…) um direito à não frustração de expec- tativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados”. 11.2. Assim articulados os limites da tutela constitucional da confiança, importa verificar se a norma sub judicio merece censura constitucional. Vimos já (vide, supra , n.º 9) que a mesma consiste, essencialmente, na sujeição de trabalhadores no- meados definitivamente, que exerçam funções em condições diferentes das referidas no artigo 10.º, a um regime de mobilidade geral e de maior flexibilidade da relação jurídica de emprego no que respeita ao tempo, lugar e modo da prestação laboral comparativamente àquele de que gozavam anteriormente, não lhes sendo portanto aplicáveis todas as normas do novo regime, nomeadamente as respeitantes aos modos de cessação da relação jurídica laboral. Considerando os quatro requisitos que se retiram da jurisprudência do Tribunal Constitucional para que o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança seja tutelado, é, desde logo, difícil sustentar que o primeiro se encontre cumprido, em termos de se poder afirmar que, in casu , o Estado (mormente o legis- lador) teria encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=