TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
245 ACÓRDÃO N.º 154/10 8.6. Em sexto lugar, é necessário ter em conta que a segurança no emprego (artigos 53.º e 58.º da Cons tituição) não é um direito absoluto, mas antes, à semelhança, aliás, de todos os outros direitos, um direito que admite limites e restrições à luz de outros direitos e valores constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). Ora no que especificamente respeita ao emprego público é necessário ponderar o objectivo constitucio- nalmente definidor da Administração Pública, ou seja, o “interesse público”, com o dever de boa adminis tração que lhe é inerente. Deste modo, deve entender-se que o regime de vínculos, remunerações e carreiras da Administração Pública poderá restringir a «segurança do emprego público» em vista da «qualidade da actividade adminis- trativa pública». Se a segurança no emprego é um imperativo constitucional não o é menos o modelo da boa administração inerente à prossecução do “interesse público” (artigo 266.º, n.º 1, da Constituição), interesse este ao serviço do qual se encontram exclusivamente dedicados os trabalhadores da função pública (artigo 269.º, n.º 1, da Constituição). Era já isto, precisamente, o que se concluía no Acórdão n.º 233/97: «(...) “o direito à segurança no emprego” não impede que, havendo interesses com relevo constitucional que tal justifiquem, a “relação jurídica de emprego” na Administração Pública assuma uma certa “precariedade”, como sucede com a que se constitui por contrato pessoal. Tal acha-se, de resto, consagrado na lei geral, onde se prevê essa forma de constituição da relação jurídica de emprego público, na modalidade de “contrato administrativo de provimento” e na de “contrato de trabalho a termo certo” (cfr. artigos 3.º e 14.º a 21.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro). De facto, embora a “relação jurídica de emprego” na Administração Pública tenha uma certa “vocação para a vitaliciedade” (cfr., hoje, o artigo 5.º do citado Decreto-Lei n.º 427/89), não existe (para quem acede à função pública) uma garantia constitucional de exercer vitaliciamente as respectivas funções”. Desta forma, ainda que se admita “que a Constituição prevê e protege uma relação jurídica de trabalho específica, correspondente à função pública no seu sentido estrito”, não decorre daí que o modelo de vínculo laboral seja um “modelo estatutário simples ou puro” ou que o legislador não possa “prever outras formas jurídicas da relação de trabalho da Administração Pública, maxime optar pela forma típica das relações de trabalho privadas, o contrato de trabalho” (veja-se Ana Fernanda Neves, ob. cit. , pp. 331 e segs.). Nada obsta a que, no âmbito das relações de emprego público, a regra geral seja a da “contratação” e que a “nomeação” seja a excepção, especialmente justificada em razão da especificidade das funções públicas a exercer. Foi neste sentido que se chegou mesmo a afirmar no Acórdão n.º 4/03: “(...) a nossa Constituição não afirma qualquer garantia de vitalicidade do vínculo laboral da Função Pública. Os trabalhadores da Função Pública não beneficiam de um direito à segurança do emprego em medida diferente daquela em que tal direito é reconhecido aos trabalhadores em geral”. É certo que a Administração Pública está, na sua autonomia pública e privada, sujeita a parâmetros de juridicidade que não vinculam, na mesma medida, a generalidade dos cidadãos, na específica margem de liberdade decorrente da sua autonomia privada (sobre esta diferença de limitações entre a autonomia pública e privada da Administração Pública e a autonomia privada dos particulares, veja-se, por todos, Sérvulo Cor- reia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos , Coimbra, 1987, pp. 532 e segs.). Todavia, uma tal diversidade estrutural não constitui, de modo nenhum, obstáculo ou impedimento à adopção de modelos contratuais no âmbito das relações laborais existentes no seio da Administração Pública. Pelo contrário. As específicas limitações constitucionalmente impostas à autonomia da Administração Públi- ca deverão constituir garantia constitucional suficiente da justa e ponderada realização do interesse público.
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