TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
243 ACÓRDÃO N.º 154/10 (entendido no quadro da “sociedade livre justa e solidária” a que se refere logo no seu artigo 1.º e da demo cracia económica, social e cultural de que fala o artigo 2.º), não é menos certo que o modelo constitucional de Estado “não se compadece com o Estado assistencial”. É precisamente o que sintetiza Jorge Miranda ( Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, p. 445): «Se, obviamente, a Constituição rejeita o Estado mínimo (em face da soma de tarefas e incumbências que atribui às entidades públicas, à luz do desígnio de “uma sociedade mais solidária” do artigo 1.º), tão-pouco se compadece com o Estado assistencial. Não se conforma com este por causa de todo o relevo que confere à intervenção de grupos, associações e instituições existentes na sociedade civil na efectivação dos direitos sociais. Depois, por causa da garantia da pro- priedade e da iniciativa económica privada (reforçada em sucessivas revisões). Enfim, porque, expressamente, ao considerar o acesso à justiça alude à “insuficiência de meios económicos” (artigo 20.°, n.° 1, atrás considerado) e declara o serviço nacional de saúde “tendencialmente gratuito” “tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos” [artigo 64.°, n.° 2, alínea c), na versão de 1989]». A questão não é, anote-se, político-ideológica, mas eminentemente jurídica e, mais especificamente, “jurídico-constitucional” (só assim se compreendendo, aliás, que o requerente insista tão veementemente nela, no âmbito de um processo jurisdicional de fiscalização da constitucionalidade). Na verdade, a “democracia económica, social e cultural”, que sustenta a ideia constitucional de Estado de direito democrático, não corresponde a um modelo ideológico predefinido de organização e actuação do Estado e da Administração Pública, mas a uma transcendental exigência de juridicidade constitucional, exi gência esta que se compadece com modelos estruturalmente diversos de organização administrativa pública e com formas heterogéneas de realização do interesse público, que o Estado visa servir. Além disso, o Estado actuante e conformador da sociedade, que a Constituição prefigura nos seus artigos 2.º e 9.º, não se confunde com o Estado meramente executor de um «programa» que seja consti- tucionalmente fixado, de forma exauriente e fechada. Bem pelo contrário. Sendo a ideia de Estado social uma implicação do Estado de direito, e integrando este, nos termos do artigo 2.º, ainda os princípios da soberania popular e do pluralismo de expressão e de representação política democráticas, ao poder político legitimamente constituído em cada legislatura caberá, de acordo com os mandatos populares, decidir sobre o «modo» de concretização das normas da CRP que fixam as tarefas fundamentais do Estado. De nenhuma dessas normas se poderá depreender a vinculação do legislador ordinário a uma “visão” invariável do Estado – seja ela ou não a “visão mais abrangente do Estado-providência”, para citar as palavras do ponto 16 do requerimento –, ou a um programa tão detalhado da sua acção futura que obrigue à manutenção de um certo modelo de constituição da relação de emprego público. 8.3. Em terceiro lugar, a função pública não é um estatuto que obrigatoriamente seja marcado pela homogeneidade. Mesmo quem mais enfaticamente defende a existência de uma especificidade constitucio- nal inerente ao regime da função pública, como sucede com Paulo Veiga e Moura ( A Privatização da Função Pública , Coimbra 2004, pp. 80 a 84 e 257 a 261), reconhece que há no interior da Administração Pública diferenciações a fazer e especificidades a ter em conta ( ob. cit. , pp. 85-94), fazendo inclusivamente, como corolário da posição diferenciadora, a referência àquilo que designa como “núcleo duro da função pública” (p. 94), do qual naturalmente − acrescente-se − não farão parte todos os trabalhadores da função pública. 8.4. Em quarto lugar, e infirmando aquilo que é o nó górdio de toda a construção argumentativa do requerente, não é de todo possível estabelecer um nexo de causalidade necessária entre a segurança da relação de emprego público (artigos 53.º e 58.º da Constituição) e o correcto exercício da actividade administrativa pública no quadro dos princípios constitucionais (artigo 266.º da Constituição). De facto, como se sabe, há diversas modalidades de constituição da relação de emprego público. Existem, para além dos trabalha-
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