TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
242 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL imparcialidade) e nos princípios de reserva de Administração Pública e de função pública para determinadas activi- dades (ex.: funções de autoridade). Por outro lado, a adopção do contrato de trabalho na Administração Pública não pode defraudar materialmente o princípio da imparcialidade e igualdade no recrutamento que a regra do concurso garante. Ao contrário dos empregadores privados, para os quais rege a autonomia privada e a livre prossecução de in- teresses próprios, a Administração não pode gozar da liberdade de escolha do seu pessoal. Por isso, o recrutamento de pessoal em regime de contrato de trabalho tem de obedecer a um procedimento de escolha que garanta a objectividade e igualdade no acesso (neste sentido, correctamente, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 406/03). O «direito privado administrativo» tem de ter as especificidades e qualificações necessárias para garantir o interesse público e os princípios constitucionais da Administração Pública”. A fim de comprovar a diferença entre vínculos, indiciada pelo figurino constitucional da Administração Pública e da função pública, o requerente invoca, ainda nos termos constantes do relatório, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente, os Acórdãos n. os 154/86, 683/99 e 340/92. 8. As normas sob juízo Não parece, todavia, que lhe assista razão no juízo que faz das normas da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que concretamente impugna. Em 1982, na primeira revisão constitucional, decidiu o legislador constituinte substituir, no n.º 1 do artigo 269.º da Constituição, a expressão “funcionários públicos” pela alternativa “trabalhadores da Admi- nistração Pública”. O intuito terá sido o de deixar claro que aos “funcionários” seriam também aplicáveis os «direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores», então autonomizados ( Diário da Assembleia da República , I Série, n.º 125, pp. 5269‑5280). É, pois, à luz desta disposição constitucional e das outras, com ela siste- maticamente relacionadas, que deve analisar‑se a bondade da tese que acabou de ser explanada, segundo a qual existe «uma reserva constitucional de função pública». 8.1. Em primeiro lugar, não pode dizer-se que a alteração do regime de nomeação (por acto de auto- ridade unilateral da Administração) para um regime contratual (por conjugação do interesse público que a Administração Pública serve com a autonomia privada do particular) ofenda, em si mesmo, a ideia de um estatuto específico da função pública. Na verdade, nenhuma das regras e princípios que vimos caracterizarem esse estatuto (sejam elas relativas a concurso no acesso e na carreira; direito de reclamação; garantias em pro- cesso disciplinar, responsabilidade por acções e omissões ou acumulações e incompatibilidades) é posta em causa pela mera alteração da modalidade de vínculo em causa e todas elas são compatíveis com um regime jurídico de matriz contratual . O estatuto específico da função pública existe constitucionalmente, mas não é atingido apenas pelo facto de haver formas contratuais de recrutamento de trabalhadores da Administração Pública. Como esclarecem Jorge Miranda e Ana Fernanda Neves ( loc. cit ., p. 621): “Estes elementos irredutíveis [que compõem o estatuto da função pública e que acima se enumeraram] encon tram-setanto nas situações (mais correntes até hoje) de sujeição dos trabalhadores da Administração pública e demais funcionáriose agentes a um regime estatutário como nas situações de contrato individual de trabalho”. 8.2. Em segundo lugar, não parece pertinente, à luz da evolução constitucional portuguesa, a alegação (desenvolvida nos pontos 14 a 22 do requerimento) segundo a qual o modelo de Estado social que a Consti- tuição consagra exigiria que se mantivesse o regime de nomeação definitiva e excluiria que a Administração Pública se regesse por critérios de contratualidade laboral. O requerente desenvolve a ideia de uma configuração do Estado, segundo as “tarefas” que deverá cons titucionalmente cumprir, que parece poder caracterizar-se como de “Estado assistencial”. Contudo, se é verdade que a Constituição rejeita o modelo do “Estado mínimo” e impõe um modelo de “Estado social”
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