TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

241 ACÓRDÃO N.º 154/10 Salienta-se desde já que esta posição, que afirma a existência de uma reserva constitucional «em favor do estatuto específico da função pública», parece ter algum apoio literal no n.º 1 do artigo 269.º (e também no artigo 271.º) da CRP, que determina que “no exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público […]”. Desta adstrição exclusiva ao interesse público decorreria, de acordo com a tese apresentada pelo requerente, a necessária especificidade dos vínculos do trabalho no âmbito da Administração Pública. No mesmo sentido parece pronunciar-se a doutrina que defende a subsistência, na Constituição, de um “regime da função pública.” «As tendências mais recentes vão no sentido da aproximação do regime dos funcionários e agentes das entidades públicas ao regime dos trabalhadores de entidades privadas. Isso está bem patente no uso do termo “trabalhadores da Administração Pública” nos n. os 1 e 2 do presente artigo, sem esquecer o direito ao aproveitamento de todo o tempo de trabalho, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tenha sido prestado (artigo 63.°, n.° 3). Assim, os funcionários e agentes gozam do direito à segurança no emprego, do direito de liberdade sindical com os inerentes direitos de participação, do direito à greve, dos direitos sociais consignados no artigo 59.º e, quando haja estruturas empresariais, do direito de constituição de comissões de trabalhadores e de participação nos processos da sua reestruturação. Também a ideia tradicional da subordinação hierárquica tem vindo a esbater-se perante a de subordinação a poderes de direcção do empregador. Todavia, subsiste um “regime de função pública” (epígrafe deste artigo e artigo 165.°), fundado no princípio da prossecução do interesse público pela Administração (artigo 266.°, n.° 1) e recortado através dos seguintes traços: — regra do concurso no acesso (artigo 47.°, n.° 2, 2.ª parte) e, logicamente também, sempre que adequado, na carreira; — vedação do acesso e da permanência aos cidadãos que deixem de cumprir os seus deveres militares ou de serviço cívico quando obrigatório (artigo 276.°, n.° 5): vedação de acesso de estrangeiros, salvo os cidadãos dos países de língua portuguesa com estatuto de igualdade, a funções que não tenham carácter predomi- nantemente técnico (artigo 15.°, n.° 2 e 3): regras sobre acumulações e incompatibilidades (artigo 269.°, n. os 4 e 5); — direito de reclamação e direito de transmissão ou confirmação de ordens de superiores hierárquicos por escrito (artigo 271.°, n.° 2), direitos de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.°); — previsão constitucional de garantias em processo disciplinar (n.° 3); — previsão constitucional da responsabilidade por acções e omissões (artigos 22.° e 271.°); — regras sobre acumulações e incompatibilidades (artigo 269.°, n. os 4 e 5). […] Na síntese de V i tal Moreira ( Projecto de lei-quadro dos institutos públicos — Relatório final e proposta de lei-quadro , Lisboa, 2001, p. 50), nem a Administração Pública pode considerar-se uma entidade patronal privada, nem os seus trabalhadores podem ser considerados trabalhadores comuns». [Jorge Miranda em artigo conjunto com Ana Fernanda Neves (sub artigo 269.º, in Constituição da República Portuguesa Anotada, org. Jorge Miranda / Rui Medeiros, Tomo III, pp. 620 e segs.) No mesmo sentido depõem também Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Por­ tuguesa Anotada , 4.ª edição, Vol. 1, p. 662): “O conceito constitucional de função pública pressupõe uma clara dimensão estatutária, traduzida na existência de um estatuto da função pública. É questionável se a privatização da Administração Pública (vínculos precários, priva- tização da forma de organização, privatização funcional) e se a substituição da «estatutização pela «contratualização» expressa na adopção do contrato individual de trabalho como esquema regulativo das relações jurídicas de emprego público, não encontrará limites constitucionais incontornáveis na dimensão estatutária da função pública,desde logo nos princípios constitucionais materiais da Administração Pública (igualdade, proporcionalidade, boa fé, justiça e

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