TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

240 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6.3. Estes dois problemas têm uma formulação essencialmente «subjectiva», já que no seu centro se encontra a afirmação da existência de um «direito à segurança no emprego» e de um «direito ao lugar» de que seriam titu- lares os trabalhadores públicos. Porém, no discurso do requerente encontram-se ainda argumentos «objectivos». O primeiro diz respeito à existência de uma reserva constitucional do estatuto da função pública. Sustenta-se, com efeito, e como já se viu, que as normas em juízo seriam inconstitucionais também por contrariarem o estatuto específico da função pública, estatuto esse que a Constituição protegeria e que a jurisprudência do Tribunal sempre teria reconhecido. Por outro lado, alega-se que a alteração, pelo legislador ordinário, desse estatuto teria como consequên- cia necessária o comprometimento da capacidade do Estado para se desempenhar das tarefas que lhe são constitucionalmente atribuídas, já que se defende a ideia segundo a qual as presentes escolhas do legislador configurariam um exemplo, a par de outros, de «redução do papel do Estado» (seriam esses «outros» exem- plos, nas palavras do requerimento, os “[…] casos da crescente transferência da prestação de cuidados do Serviço Nacional de Saúde para o sector privado, da entrega de importantes sectores de ensino público à prestação privada ou dos modelos privatizadores instalados na área da administração da justiça, como sejam, por exemplo, os vários mecanismos de mediação, os mecanismos gerais de arbitragem, a “desjudicialização” do processo executivo e a privatização do notariado”). Na lógica discursiva do requerente esta dupla ordem de razões, subjectiva e objectiva, aparece no entanto estreitamente interligada. Afirma-se a existência de uma reserva constitucional do estatuto da função pública «na medida» em que se afirma, também, a existência [para os trabalhadores públicos] de um «direito à segu- rança no emprego» e de um «direito ao lugar»; e afirma-se a existência de uma escolha legislativa que implica a redução do papel do Estado na medida em que se entende que, da alteração do estatuto da função pública – ou seja, da afectação dos direitos à segurança no emprego e do direito ao lugar –, decorrerá, numa relação de causalidade necessária, o comprometimento da capacidade do Estado para cumprir as funções que, cons­ titucionalmente, lhe são atribuídas. Assim sendo, nenhuma razão há, para que, metodologicamente, se responda a cada uma destas razões como se de argumentos «separados se tratasse». Afinal, e na óptica mesma da argumentação apresentada, apenas relevará jurídico-constitucionalmente o argumento, objectivo, que invoca a possível “redução do papel do Estado”, na medida em que se confirme a incapacitação deste último para se desempenhar das suas tarefas, incapacitação essa cuja verificação depende do juízo a formular sobre a questão do direito à segurança no emprego no âmbito do “estatuto específico” da relação de emprego público. Pela análise desta questão se começará. A) A questão do direito à segurança no emprego no âmbito do “estatuto específico” da relação de empregopúblico 7. Reserva de função pública O requerente apresenta a caracterização constitucional da Administração Pública, segundo a lógica dos princípios fundamentais da organização e da actividade administrativa (artigos 266.º e seguintes da Constituição), e do Estado, segundo as tarefas que constitucionalmente deve cumprir (artigos 9.º e 81.º da Constituição). Nessa base, defende que da vigência de tais princípios e tarefas se retira a conclusão de que existe constitucionalmente um estatuto específico da função pública − um estatuto de mais firme vinculação e menor precariedade do que o regime geral das relações laborais comuns. Esse estatuto específico da função pública poderia justificar-se seja pelo cariz próprio da Administração Pública (dirigida como está para a realização do interesse público segundo os princípios da justiça e da imparcialidade), seja pela estrutura desconcentrada e descentralizada que a Constituição consagra. E tal esta- tuto deverá conferir aos trabalhadores da Administração Pública garantias efectivas do rigoroso exercício do interesse público que servem e dos princípios a que se subordinam.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=