TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
236 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, incumbe ao Estado intervir, no sentido de organizar, coordenar, subsidiar, apoiar e fiscalizar (entre outras expressões usadas pelo texto constitucional), visando a garantia do direito ao trabalho e da protecção dos direitos dos trabalhadores; da protecção e apoio aos consumidores; da existência de um sistema público de segurança social; de um serviço nacional de saúde; do direito à habitação; da protecção do ambiente e qualidade de vida; da protecção da família, da paternidade e maternidade, das crianças, da juventude, dos cidadãos com deficiência e da terceira idade, da garantia do acesso à educação e à cultura e da existência de um sistema público de ensino, incluindo no nível superior; da promoção da cultura física e do desporto. Em virtude de o Estado estar constitucionalmente vinculado à prossecução dessas tarefas e incumbido da sua realização, retira o requerente a conclusão de que não só a Constituição não sugere a ideia de Estado subsidiário como exige uma capacidade de intervenção dependente de estruturas e agentes com carácter permanente. A par da articulação entre o artigo 9.º e o Título III da Parte I, respeitante aos direitos económicos, sociaise culturais, retira-se ainda da Parte II da Constituição – relativa à Organização Económica (artigos 80.º e seguintes), tendo como princípio fundamental a declaração de subordinação do poder económico ao poder político democrático – uma definição do papel do Estado de estimular e apoiar, incentivar e disciplinar as múltiplas actividades económicas (e sem esquecer os objectivos das políticas agrícola, comercial e indus- trial, que ressaltam do Título III da mesma parte II). Ora, entende o requerente que com a reestruturação da Administração Pública operada pelo legislador, e na sequência de outras medidas legislativas que vão na mesma direcção, o Estado se demite de parte das tarefas que lhe são constitucionalmente impostas. Importa assim apreciar a conformidade com a Lei Fundamental de normas inseridas na reforma do regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da Administração Pública. O requerente pretende, designadamente, saber se, operando tal reforma um resultado assimilado a uma verdadeira “privatização da Administração Pública” – na medida em que a esmagadora maioria dos seus trabalhadores, ainda que exercendo funções públicas, vai ficar vinculada segundo um regime contratual de pendor civilístico – as normas referidas consubstanciam violação de normas e princípios constitucionais. Sustenta-se ser esse o caso. Com efeito, as normas que vêm identificadas e que constituem objecto do pedido submetido à apre- ciação do Tribunal Constitucional afastam-se, no dizer do requerente, da Constituição, desde logo, quanto à ideia e à estrutura da Administração Pública em sentido próprio, e em conjugação com os direitos dos trabalhadores, nomeadamente, o direito à segurança no emprego e o direito à função pública. Entende-se que o direito à segurança no emprego abrange todas as situações que se traduzam em injus- tificada precariedade da relação de trabalho (por exemplo, o trabalho a termo que é, por natureza, precário), pressupondo ainda que, em princípio, a relação de trabalho é temporariamente indeterminada. Quanto ao direito à função pública, sustenta-se que, gozando o respectivo regime de uma tradicional protecção refor- çada, não pode ele contemplar, por exemplo, o despedimento colectivo por extinção ou reestruturação dos serviços. Entende-se ainda que, sem prejuízo de a chamada constituição administrativa atravessar transversal- mente grande parte das normas constitucionais, a Constituição atribui à Administração Pública particular relevo, ao dela se ocupar, a par do Título VIII da Parte III, dedicado ao Poder Local, no seu Título IX da Parte III. Com efeito, do âmbito normativo desses dois Títulos, no essencial, decorre: – a definição dos limites a que está submetida à partida a Administração Pública, tendo por um lado a prossecução do interesse público (limite positivo) e por outro o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (limite negativo), acrescentando-se ainda para o Poder Local a prossecução de interesses próprios das populações respectivas; – o quadro de princípios que rege a Administração Pública, a começar pelo princípio da legalidade – a subordinação à Constituição e à lei, prevista também no artigo 3.º, n. os 2 e 3 – e a terminar no
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