TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
235 ACÓRDÃO N.º 154/10 constitucionalmente assinaladas, atingindo uma parte significativa de trabalhadores que actualmente exer- cem funções públicas, por via da mudança do vínculo e/ou estatuto de que usufruem presentemente e têm a legítima expectativa de continuar a usufruir. Com efeito, ao alterar radicalmente o regime jurídico-laboral aplicável aos trabalhadores da Adminis- tração Pública – alteração essa que se traduz tanto em um enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores como na redução do seu universo –, segundo o requerente, a legislação em causa vem comprometer a própria capacidade do Estado para desempenhar as funções que lhe estão constitucionalmente atribuídas, com evi- dentes prejuízos para os cidadãos. O enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores bem como a redução do seu universo decorre da cir- cunstância de o regime de nomeação passar a ter um âmbito de aplicação muito restrito, previsto no artigo 10.º do diploma, generalizando-se, como modalidade de relação jurídica de emprego público, a figura do contrato de trabalho em funções públicas. Tal generalização redunda em um novo e substancial passo no sentido de transferir a regulação jurídica da Administração Pública e dos seus trabalhadores do direito administrativo para o direito privado. A fim de demonstrar a sua afirmação, o requerente observa que carreiras importantes para o interesse público e o serviço do cidadão – professores de todos os ramos de ensino (incluindo o ensino superior) médi- cos e outros profissionais do Serviço Nacional de Saúde, funcionários da Justiça e da Administração Fiscal, entre outras – não são abrangidas pela norma do artigo 10.º, devendo os seus trabalhadores, nos termos do artigo 20.º do diploma, ser contratados em vez de nomeados. O requerente entende que tal significa sobrepor à vitaliciedade que está ligada à nomeação definitiva dos trabalhadores da Administração Pública, em consonância com o papel específico que a Constituição lhes atribui, a precariedade acrescida que corresponde ao contrato de trabalho. Afirma-se ainda que, com tal legislação, e ao arrepio da Constituição, a função pública, como é tradi- cionalmente conhecida, passará a ser apenas uma das modalidades (provavelmente só residual) de emprego no sector público. Tal conformação legislativa traduz-se em uma descaracterização do figurino constitucional de Adminis- tração Pública, nos termos do qual a prossecução do interesse público implica uma permanência de funções que se passa a dispensar em relação à maioria dos trabalhadores, considerando o âmbito de aplicação restrito do artigo 10.º O requerente põe em evidência que nessa reestruturação da Administração Pública vai implicada uma ideia de Estado subsidiário, em que se privilegia as funções de carácter repressivo e de conservação da ordem pública, de defesa da legalidade democrática, de soberania nacional e da integridade do território e de garan- tia da liberdade e segurança das populações – apenas para essas áreas se reservando o vínculo de nomeação – em detrimento de outras áreas não menos essenciais associadas ao Estado Providência ou Estado Social e que visam assegurar o bem-estar, criando condições propícias a alcançá-lo nos planos económico, político, social e cultural, garantindo o desenvolvimento pleno do cidadão e das suas actividades. Sustenta-se ainda que, estando as funções do Estado constitucionalmente fixadas, não pode o legislador delas dispor livremente, privilegiando umas em detrimento de outras. Segundo o requerente, a determinação constitucional resulta, desde logo, do preâmbulo da Consti- tuição, que aponta o horizonte de “construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno”, e do seu artigo 1.º que retoma a ideia de “construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, retirando-se do artigo 2.º que “a realização da democracia económica social e cultural” é um suporte fundamental do Estado de direito democrático. A isso acresce que o artigo 9.º fixa as tarefas fundamentais do Estado, tarefas essas que são articuladas – no Título III da Parte I, respeitante aos direitos económicos, sociais e culturais – em múltiplas incumbências «estaduais»: a Constituição concebe o papel do Estado de tal modo que nele não pode deixar de estar incluída a capacidade de acção própria, isto é, dos seus serviços e estruturas, no sentido de garantir os várias direitos económicos, sociais e culturais.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=