TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

226 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não chega para exprimir um qualquer consistente nível de comprometimento do sistema de direito ordinário na realização do mandamento jurídico-constitucional de protecção da vida intra-uterina. 4. 2. Adiante-se que se o padrão seguido na modelação do conteúdo da consulta traduz uma opção nor- mativa insuficiente para poder reportar o procedimento instituído pela Lei n.º 16/2007 ao cumprimento do dever constitucional de protecção da vida intra-uterina, o critério em que assentam as regras definidas para a determinação de quem nela pode participar compromete positivamente tal possibilidade. Da norma do artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007 – cuja constitucionalidade, de resto, vem autonoma- mente impugnada – resulta que os médicos ou demais profissionais de saúde que invoquem a objecção de consciência relativamente a qualquer dos actos respeitantes à interrupção voluntária da gravidez não podem participar na consulta prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal ou no acompanha- mento das mulheres grávidas a que haja lugar durante o período de reflexão. Qualquer tentativa de captação da finalidade prosseguida pelo legislador através deste preceito jurídico, singularmente ou no contexto da unidade do conjunto em que se insere, conduzirá sem particular esforço inter- pretativo à conclusão de que a exclusão da possibilidade de participação de médicos objectores de consciência, quer na consulta que precede a concretização da interrupção da gravidez, quer no acompanhamento que a ges- tante possa entretanto solicitar – o que tenderá, de resto, a suceder em casos de angústia, dúvida ou hesitação – é reveladora da intenção, não apenas de isentar o procedimento previsto de qualquer propósito de influenciar a grávida no sentido da prossecução da gravidez, como de assegurar que essa influência não possa vir a ser exercida no interior do sistema e através dele, designadamente por iniciativa daqueles que o legislador presume que em tal sentido operariam, não obstante as limitações que de tal ponto de vista não deixariam de colocar-se, pelo menos no que diz respeito à consulta, em face da previsão do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007. Perante o conjunto das soluções possíveis em matéria de determinação dos profissionais habilitados para participar nos momentos de interacção do sistema com a grávida – que vão desde a exclusão dos médicos disponíveis para a realização de interrupções voluntárias da gravidez até ao afastamento dos médicos objec- tores de consciência, passando pela admissão da possibilidade de participação de uns e outros, isolada ou conjuntamente, – a opção normativa expressa no artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007 traduz um critério valorativo assente na ideia de que a grávida deve ser institucionalmente preservada de qualquer forma de ingerência no desenvolvimento do seu processo decisório, em especial daquela que serviria ao favorecimento de uma decisão compatível com a preservação da vida embrionária ou fetal. Conforme referido foi já, em se tratando da verificação da viabilidade constitucional de uma determi- nado sistema de direito ordinário na perspectiva da proibição de insuficiência, ao juízo de constitucionali- dade interessará sobretudo o índice de protecção que o mesmo é susceptível de gerar no seu funcionamento global e conjunto. Ora, esta norma, ao excluir a intervenção dos médicos objectores de consciência em todos os momen- tos em que a mesma poderia ter formalmente lugar, permite verificar que o procedimento a que a anterior proibição penal cedeu lugar, não só não contem qualquer elemento suficientemente orientado para o favore- cimento de decisões espontâneas favoráveis à prossecução da gravidez, como apresenta opções que, por serem apenas racionalmente compreensíveis numa lógica assente na ideia de que o Estado deverá abster-se de for- necer à gestante qualquer indicação de valor e actuar como se o resultado da respectiva decisão final lhe fosse naquele momento indiferente, se apresentam positivamente disfuncionais na perspectiva do cumprimento do mandado jurídico-constitucional de protecção da vida intra-uterina. 5. No segundo caso por excesso, no primeiro por defeito, as opções normativas expressas nos artigos 2.º, n.º 2, e 6.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007, exercem uma influência decisiva na modelação do regime jurídico da interrupção voluntária da gravidez, convertendo-o num sistema de regras e princípios onde, não apenas se não inclui, como parece não ter lugar, qualquer mecanismo de conformação de condutas orientado e apto ao favorecimento de um modelo comportamental compatível com a preservação da vida intra-uterina.

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