TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

225 ACÓRDÃO N.º 75/10 4.1. Em concreto, avança-se um regime legal em que a exclusão da punibilidade da interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua orientação, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhe- cido, quando realizada por opção e mediante o conhecimento da mulher grávida, nas primeiras dez semanas de gravidez, depende de a sua realização ter tido lugar, no mínimo, três dias depois da realização de uma primeira consulta destinada a facultar à mulher grávida o acesso a informação relevante para a formação da sua decisão livre, consciente e responsável. Informação que abrange as condições de efectuação, no caso concreto, da even- tual interrupção voluntária da gravidez e suas consequências para a saúde da mulher, as condições de apoio que o Estado pode dar à prossecução da gravidez e da maternidade, e a disponibilidade, durante o período de reflexão, quer de acompanhamento psicológico, quer de acompanhamento por serviço social. Situada assim no interior de um sistema de prazos com aconselhamento obrigatório de tipo meramente informativo, a protecção da vida intra-uterina tida em vista pelo dispositivo legal resultante da admissão da possibilidade de algumas das informações prestadas à gestante e a comunicação dos eventuais apoios por parte do Estado virem a concorrer para a manutenção da gravidez e consequente preservação do embrião ou do feto radica no estatuto da consulta que obrigatoriamente precede a eventual concretização da inter- rupção, em especial no procedimento que a informa. Assume-se que o procedimento desta forma instituído conduzirá ao aumento da probabilidade de um resultado jusfundamentalmente conforme, sendo suscep- tível de provocar um incremento das possibilidades de obtenção de um resultado favorável à prossecução da gravidez. Só que o sistema instituído pelo diploma, na sua concreta modelação, não consente que se presuma a ampliação da probabilidade de um resultado compatível com a preservação da vida intra-uterina, pelo menos na medida necessária para ter por cumprido em suficiente medida o imperativo constitucional de tutela. Tal resulta desde logo do elenco de informações a prestar à gestante no âmbito da consulta. Na verdade, as primeiras – relativas às condições de efectuação, no caso concreto, da eventual interrupção voluntária da gravidez e suas consequências para a saúde da grávida – traduzem-se em mera reprodução, em sede de interrupção voluntária da gravidez, do regime do consentimento esclarecido para acto médico que vigora no direito da medicina em geral, sendo aplicável a toda e qualquer intervenção e tratamento médico-cirúrgico. O que se reforça com a compreensão densificada do conteúdo do dever de esclarecimento hoje perfilhada na doutrina, em especial pela ideia, consensual aí, de que só é eficaz o consentimento assente em esclarecimento bastante e este pressupõe a representação correcta de todas as circunstâncias relevantes para a motivação da decisão de aceitação ou recusa de uma intervenção do género da indicada (cfr. Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal , tomo I, p. 396). Pelo que se impõe a conclusão de que, mesmo considerando as explicitações relativas à indicação do tempo da gravidez e das consequências para a saúde física e psíquica da mulher [constantes, respectivamente das alíneas a) e c) da Portaria n.º 741-A/2007, de 21 de Junho], continua a não ser detectável no regime jurídico sob avaliação qualquer elemento superlativamente diferen- ciador da disciplina que vigora no âmbito das intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos em geral, desig- nadamente um elemento que, procedendo da consideração da presença do embrião ou do feto, se apresente funcionalmente apto ao cumprimento do mandado jurídico-constitucional de tutela. E o mesmo se diga das restantes indicações que segundo o regime legal vigente, deverão ser proporciona- das à grávida, e que vão desde o conhecimento das condições de apoio que o Estado pode dar à prossecução da gravidez e da maternidade, à disponibilidade, durante o período de reflexão, quer de acompanhamento psicológico quer de acompanhamento por técnico de serviço social. Embora se não possa excluir, num juízo de prognose, a eventualidade de certas destas informações, ou mesmo todas no seu conjunto, poderem contribuir, designadamente em associação com outras circuns­ tâncias particularizáveis em cada caso, para o enfraquecimento – ou até mesmo para a anulação – de uma predisposição originária favorável à interrupção da gravidez, o certo é que, de um ponto de vista teleológico e dogmático, do que se trata aqui é de elementos ou factores externos à modelação da decisão que se coloca perante as alternativas representadas pela prossecução da gravidez e a concretização da interrupção e, por- tanto, cuja possível influência naquele primeiro sentido é de tal modo longínqua, contingente e difusa que

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