TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

19 ACÓRDÃO N.º 119/10 A propósito deste limite da competência legislativa regional interessa apenas evidenciar que o alcance da reserva parlamentar no que toca aos direitos, liberdades e garantias abarca a totalidade dos regimes legais. Não são ape- nas as basesgerais ou os princípios dos regimes jurídicos que integram a reserva, nem tão-só a disciplina geral da matéria, ficando os regimes especiais igualmente subtraídos ao domínio concorrencial. E, menos ainda, se pode sustentar o confinamento dessa mesma reserva às leis restritivas ou limitadoras de tal categoria de direitos. Tal como afirmou já o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 711/97 – em sintonia com Gomes Cano- tilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Coimbra, 1993, pp. 670 a 672 –, “no domínio dos direitos, liberdades e garantias e, portanto, no domínio da «liberdade de associação», o alcance da reserva de competência da Assembleia da República situa-se num «nível mais exigente, em que toda a regulamentação legis- lativa da matéria é reservada». Ou seja, a reserva «vale não apenas para as restrições (artigo 18.º), mas também para toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e garantias (…)». E valeria, desde logo, também para a matéria da promoção e efectivação dos direitos, liberdades e garantias”. No mesmo sentido, Jorge Miranda sustentou mais recentemente que “a reserva abrange os direitos na sua integridade – e não somente as restrições que sofram (…); A reserva abrange quer um regime eventualmente mais restritivo do que o preexistente quer um regime eventualmente ampliativo; não é o alcance da lei, mas a matéria sobre a qual incide que a define (…); A reserva abrange todo o domínio legislativo de cada direito, liberdade e garantia (…); A reserva é para todo o território nacional; ainda que certa lei se aplique, por hipótese apenas numa das regiões autónomas, o órgão competente para a emitir – tendo em conta os critérios constitucionais de distri- buição de poderes – é a Assembleia da República, e não a respectiva assembleia legislativa regional” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, II , Coimbra, 2006, p. 535). Quer isto dizer que, no concernente à liberdade de associação, não é só o regime geral previsto no Código Civil ( maxime , nos artigos 167.º a 184.º) que integra a reserva da Assembleia da República. São sim todos os normativos que respeitem directamente ou que interfiram de forma não acidental com a liberdade de associação, nas suas di- versas faculdades e dimensões, negativas ou positivas, individuais ou institucionais, assim como nas suas diferentes manifestações concretas, independentemente da sua natureza geral ou especial, global ou sectorial. Daí que o legis- lador parlamentar tenha assumido o encargo de densificar o regime de inúmeras modalidades de associações, desde as associações de jovens (Lei n.º 124/99, de 20 de Agosto, e Lei n.º 23/2006, de 23 de Junho), até às associações de deficientes (Lei n.º 127/99, de 20 de Agosto, e Lei n.º 37/2004, de 13 de Agosto), passando pelas associações de famílias e mulheres (Lei n.º 9/97 e Lei n.º 10/97, ambas de 12 de Maio) e pelas associações de utentes da saúde (Lei n.º 44/2005, de 29 de Agosto). Daí que o legislador nacional tenha também sentido a necessidade de definir um regime específico destinado às organizações não governamentais de ambiente, constante da Lei n.º 35/98, de 18 de Julho – diploma cuja qualificação como lei geral da República pressupunha, ao tempo, a sua aplicação em todo o território nacional. Neste contexto, não é difícil concluir que os artigos 8.º a 14.º do Decreto n.º 8/2010 são organicamente inconstitucionais, por extravasarem as competências legislativas regionais. Por duas razões principais: primeiro, porque as normas contidas naqueles preceitos versam efectivamente sobre liberdade de associação (ainda que por- ventura não restringissem ou limitassem este direito, liberdade e garantia ou, pelo menos, não o tivessem feito em termos constitucionalmente injustificados); segundo, porque essas mesmas normas se situam no plano legislativo (e não num mero plano regulamentar ou de execução). 3. Quanto ao primeiro ponto, não há de facto como negar que a criação, a cargo de um departamento administrativo, de um registo público de associações privadas é matéria que versa sobre liberdade de associação, sobretudo se se tiver em conta que da inscrição naquele registo depende o acesso a um conjunto de direitos da maior relevância para a actividade das associações em causa e dos seus corpos dirigentes (artigo 10.º do Decreto n.º 8/2010). Tais como: a) direito de acesso à informação administrativa no domínio ambiental (Lei n.º 35/98, artigo 5.º); b) direito de participação na definição de políticas ambientais ( idem , artigo 6.º); c) direito de representação como parceiros sociais ( idem , artigo 7.º, e artigo 41.º, n.º 2, alínea l) do Decreto n.º 8/2010);

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