TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

139 ACÓRDÃO N.º 75/10 — Ainda que se admita, em última análise, que estamos em presença de uma situação de conflito e ponderação de valores – o da liberdade da mãe e o da vida do embrião – e, em tal perspectiva, que o primeiro deverá prevalecer sobre o segundo, isso não significa que se não deva procurar o equilíbrio possível e, portanto, o menor sacrifício possível da vida embrionária. — A consulta informativa não é idónea ao fim a que se destina – tutela da vida humana intra-uterina–, privilegiando desnecessariamente um dos bens constitucionais em conflito – o valor da liberdade de escolha da mulher – e em nada acautelando o outro dos valores em presença – a vida do feto. — A consulta meramente informativa não permite ter por cumprido o dever de protecção da vida intra-uterina a que o Estado Português se encontra vinculado, o qual não ficará plenamente cum- prido sem que a mulher grávida tenha acesso a um aconselhamento prestado por uma entidade diferente daquela que se propõe realizar a interrupção da gravidez. — É dever do Estado aconselhar a mulher a não realizar o aborto e a decidir pela preservação da vida. — Sem a realização deste aconselhamento, o Estado Português queda-se indiferente e neutro perante a ameaça à vida humana, posição que não é compatível com o dever de protecção da vida humana. — O artigo 2.º da Lei n.º 16/2007 atenta, por isso, contra os artigos 24.º, 66.º e 67.º da CRP, bem como contra a Declaração Universal dos Direitos do Homem. — No artigo 142.º, n.º 4, alínea b) , do Código Penal, na redacção da Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, diz-se que a primeira consulta é destinada a facultar à mulher grávida o acesso à informação rele­ vante para a formação da sua decisão livre, consciente e responsável. — Porém, da disciplina no n.º 2 do artigo 2.º resulta ser apenas obrigatório proporcionar à mulher o conhecimento sobre as consequências da efectuação, no caso concreto, de eventual interrupção volun- tária da gravidez e suas consequências para a saúde da mulher, nada se dizendo quanto ao embrião. — A informação a prestar pelo Estado não contempla a indicação das condições de apoio que institui­ ções não estaduais prestam à prossecução da gravidez e à maternidade, nem do regime de adopção vigente em Portugal, tal como não prevê a exibição de imagem ecográfica do feto. — A exclusão de tais indicações do âmbito do conteúdo informativo da consulta constitui uma viola- ção do princípio da proporcionalidade. — Da mesma disciplina decorre, relativamente à informação relativa às condições que o Estado pode dar à prossecução da gravidez e da maternidade [alínea b) ] e à disponibilidade de acompanhamento por técnico do serviço social, durante o período de reflexão [alínea d) ], que: não é obrigatório fornecê-la, mas apenas informar a grávida acerca dos meios de a obter; mesmo que esta escolha tê-la, tal informa- ção não será fornecida directamente, mas através de um técnico social; tal informação será prestada dentro de um acompanhamento de contornos indefinidos à partida. — O artigo 2.º, n.º 2, estabelece, assim, um sistema baseado na selectividade da informação prévia ao consentimento, na assimetria informativa e na natureza triplamente indirecta da informação a prestar, consagrando um regime discriminado de informação face aos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, que proíbem diferenciações legais arbitrárias e, desse modo, atentando contra o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, 25.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, da CRP. — Uma vez que se baseia na incompletude da informação a prestar à grávida e aquela consiste num meio de manipulação e de obliteração da liberdade, o sistema informativo estabelecido no artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, não preserva o valor constitucional que pretende tutelar, ou seja, a liberdade de escolha da mulher. — O regime consagrado nos artigos 142.º, n.º 4, alínea b) , do Código Penal e 2.º da Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, conflitua por isso com os direitos constitucionais à liberdade e proporcionalidade, tornando-se deste ponto de vista sindicável perante o disposto nos artigos 25.º, n.º 1 e 27.º, n.º 1, da CRP. — Através do disposto no respectivo artigo 2.º, n.º 2, a Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, permite a sua regulamentação por portaria, o que, estando em causa matéria de direitos fundamentais, fere o disposto nos artigos 67.º, n.º 1, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP.

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