TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

138 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 1.º e 2.º), contemplando a afirmação da integridade física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável da sua individualidade autonomamente responsável (CRP, artigos 24.º, 25.º e 36.º), bem como a garantia da identidade e integridade da pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade (cfr. a consagração explícita desse direito no artigo 26.º da CRP, introduzido pela Lei Constitucional n.º 1/97, e a refracção do mesmo direito no artigo 73.º, n.º 2, da CRP). — A alteração ao artigo 142.º do Código Penal introduzida pelo artigo 1.º da Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, consistente no aditamento da alínea e) ao respectivo n.º 1, permite a uma mulher pôr fim à vida de um ser humano em desenvolvimento intra-uterino sem que para tal invoque fundamen- tos, o que significa deixar totalmente desprotegida a vida humana até às 10 semanas. — A possibilidade de se praticar aborto sem alegação de motivos, equivale a conferir a uma ser (Mãe) o direito a decidir da vida de outrem, ainda que por motivos fúteis. — Tal alteração impõe ao Estado que contribua para a eliminação de vidas humanas (através, por exemplo, do SNS e das prestações sociais inerentes – artigo 35.º, n.º 6, do Código do Trabalho) sem que para tal seja necessário alegar quaisquer razões ou fundamentos, o que atenta contra a base antropológica constitucionalmente estruturante do Estado de direito, violando desse modo o disposto nos artigos 26.º e 73.º, n.º 2, da CRP. — O aborto constitui para a mulher uma fonte de doença gravíssima – o trauma pós-aborto. — Ao Estado cabe fazer cumprir e implementar o direito à saúde. — Ao admitir-se a realização do aborto nas condições fixadas no artigo 142.º, n.º 4, alínea b) , do Código Penal, na versão conferida pela Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, permite-se que as mulheres corram este risco de doença para o resto da vida, colocando-se em causa o disposto no artigo 66.º, n.º 1, bem como o disposto no artigo 64.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) , da CRP. — Sendo hoje reconhecido o aborto como um acto de risco para a saúde física e mental da mulher, e dando por assente o aborto por carências económicas, o regime fixado na Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, liberta o Estado da sua função de solidariedade e protecção da saúde física e psíquica, violando, assim, o disposto nos artigos 64.º, n. os 1 e 2, alínea b) , e 66.º, n.º 1, da CRP. — Em matéria de tutela da vida, o Estado limita-se a informar a mulher das condições de apoio que lhe pode prestar, concedendo-lhe três dias para que reflicta sobre a sua decisão. — Atendendo à dignidade constitucional da vida humana, não parece que a sua lesão irreversível possa ser compatibilizada com um prazo tão curto de reflexão. — Através do seu artigo 67.º, alínea d) , a Constituição garante o exercício da maternidade e paterni- dade conscientes, estabelecendo, por sua vez, o respectivo artigo 68.º que a maternidade e a pater- nidade constituem valores sociais eminentes. — O princípio da igualdade fixado para o exercício da parentalidade trespassa todo o direito constitu- cional (artigos 13.º, 36.º, n. os 3 e 5, 67.º e 68.º, da CRP). — A Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, deixa o progenitor masculino totalmente arredado da respon- sabilidade e processo de formação da decisão no aborto, violando-se desta forma os artigos 1.º, 2.º, 24.º, 67.º, alínea d) , da CRP, bem como o princípio da igualdade fixado nos artigos 13.º e 36.º, n. os 3 e 5, da Lei Fundamental. 2.2.2. Artigo 2.º, n.º 2 — Ao permitir a realização do aborto até às 10 semanas, por opção da mulher, o legislador resolveu ex- cluir a reacção penal como instrumento de tutela da vida humana pré-natal, dentro desse período. — Ao estabelecer como condição única dessa realização uma prévia consulta médica informativa, a Lei assegura a liberdade da mulher mas despreza, de forma constitucionalmente intolerável, o cumpri- mento do dever que vincula o Estado à protecção da vida humana do nascituro. — A solução assim encontrada pelo legislador para o conflito entre os bens constitucionais vida hu- mana pré-natal por um lado, e personalidade e liberdade da mulher, por outro, satisfaz apenas uma das partes do conflito.

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