TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

137 ACÓRDÃO N.º 75/10 2. Fundamentação do pedido Os requerentes fundamentaram o pedido nos seguintes termos: 2.1. Inconstitucionalidade formal da Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril — A Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, foi aprovada na sequência de um referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, realizado a 11 de Fevereiro de 2007, o qual não logrou obter a participação de votantes necessária para que o mesmo revestisse carácter juridicamente vinculativo. — Na verdade, o artigo 115.º, n.º 11, da Constituição da República Portuguesa (CRP), estabelece que “o referendo só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento”, o que não se verificou. — Não tendo sido obtido esse quórum, a proposta de alteração legislativa apresentada aos eleitores não colheu legitimação referendária para prosseguir. — A CRP não admite o referendo consultivo e o princípio da legalidade, a que estão sujeitos os órgãos de soberania, exige que sejam retiradas consequências de um referendo não vinculativo. — No cumprimento do estatuído na CRP, o resultado eleitoral do Referendo sobre o aborto não permite alterar a respectiva Lei (ou o Código Penal), sob pena de inconstitucionalidade formal por violação do disposto no artigo 115.º, n. os 1 e 11, da CRP. — A Assembleia da República tem legitimidade parlamentar para fazer leis, podendo alterar o Código Penal. — Contudo, no caso do aborto, a maioria dos deputados não está materialmente mandatada pelo Povo para alterar a respectiva Lei. — A soberania reside no povo e este exerce-a, entre outras formas, através do voto, nomeadamente na escolha que faz dos programas partidários submetidos a sufrágio. — Os partidos que compõem a larga maioria do Parlamento (PS e PSD), nos últimos programas eleitorais com que se apresentaram a eleições legislativas, declararam submeter esta matéria à delibe­ ração directa do Povo, tendo-se comprometido a só alterar a Lei em causa por referendo. — Através do respectivo programa eleitoral, os partidos celebram pactos com os eleitores. — O mandato conferido ao actual parlamento não legitima a alteração da Lei da Interrupção Volun- tária da Gravidez no decurso da mesma legislatura em que foi realizado o referendo que não teve efeito vinculativo. — A aprovação da Lei n.º 16/2007 à revelia do voto vinculativo do Povo fere a soberania popular, correspondendo à violação do disposto nos artigos 1.º a 3.º, 108.º e 109.º da CRP. 2.2. Inconstitucionalidade material das normas constantes dos artigos 1.º, 2.º, n.º 2, e 6.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril 2.2.1. Artigo 1.º — No seu artigo 24.º, n.º 1, a CRP estatui que a vida humana é inviolável, não excepcionando as primeiras dez semanas de gestação. — Consequência da garantia da vida humana intra-uterina é o reconhecimento de que o Estado Por- tuguês está, não só obrigado a abster-se de violar a vida humana pré-natal, como também a instituir formas destinadas à sua protecção. — O ordenamento jurídico português confere protecção à vida humana desde a concepção, incluindo a atribuição de direitos, o que foi já reconhecido por este Tribunal (Acórdão n.º 617/06). — A Lei Fundamental da República Portuguesa não deixa quaisquer dúvidas sobre a indispensabi- lidade de uma base antropológica constitucionalmente estruturante do Estado de direito (artigos

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=