TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

124 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL uma alteração legislativa no âmbito do Regime Geral da Segurança Social que, tal como agora, introduzia um regime legal menos favorável em relação ao anterior e onde o então requerente invocava a violação dos princípios jurídico-constitucionais que são, também agora, convocados. 3. A proibição de retrocesso social Alegam os requerentes que as alterações legislativas que resultaram nas normas impugnadas são incons­ titucionais, por violarem o princípio da proibição do retrocesso social ou da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais. A questão do princípio da proibição do retrocesso social tem sido objecto de vasta discussão na doutrina (para uma síntese abrangente do actual estado da doutrina nesta matéria, vide Jorge Miranda, em Manual de Direito Constitucional , IV, pp. 435-440, da 4.ª edição, da Coimbra Editora). A jurisprudência do Tribunal, por seu turno, tem-se caracterizado por perfilhar a visão de que o princípio apenas poderá valer numa acepção restrita, valendo, por conseguinte, apenas quando a alteração redutora do conteúdo do direito social se faça com violação de outros princípios constitucionais. O princípio da proibi­ ção do retrocesso social, a admitir-se, sempre carecerá de autonomia normativa em relação não só a outros parâmetros normativos de maior intensidade constitucional mas de menor extensão económico-social, tais como o direito a um mínimo de existência condigna, que é inerente ao princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade, ou o princípio da protecção da confiança legítima, que resulta da ideia de Estado de direito, mas também ao próprio núcleo essencial do direito social já realizado e efectivado através de medidas legislativas. Tudo isto é plenamente confirmado pelo recente, e já citado, Acórdão n.º 188/09, que aqui se transcreve nas passagens pertinentes ao chamado princípio da proibição do retrocesso social: “Este princípio não pode ser aceite, no entanto, com esta amplitude sob pena de destruir a autonomia da função legislativa, cujas características típicas, como a liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade, seriam pratica- mente eliminadas se, em matérias tão vastas como os direitos sociais, o legislador fosse obrigado a manter integral- mente o nível de realização e a respeitar em todos os casos os direitos por ele criados (assim, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª edição, Coimbra, pp. 408-409). É também esta acepção restrita do princípio que tem sido acolhida pela jurisprudência constitucional, como se depreende do seguinte excerto do Acórdão n.º 509/02: “Embora com importantes e significativos matizes, pode-se afirmar que a generalidade da doutrina converge na necessidade de harmonizar a estabilidade da concretização legislativa já alcançada no domínio dos direitos sociais com a liberdade de conformação do legislador. E essa harmonização implica que se distingam as situações. Aí, por exemplo, onde a Constituição contenha uma ordem de legislar, suficientemente precisa e concreta, de tal sorte que seja possível «determinar, com segurança, quais as medidas jurídicas necessárias para lhe conferir exequibilidade» (cfr. Acórdão n.º 474/02), a margem de liberdade do legislador para retroceder no grau de pro- tecção já atingido é necessariamente mínima, já que só o poderá fazer na estrita medida em que a alteração legisla- tiva pretendida não venha a consequenciar uma inconstitucionalidade por omissão – e terá sido essa a situação que se entendeu verdadeiramente ocorrer no caso tratado no já referido Acórdão n.º 39/84. Noutras circunstâncias, porém, a proibição do retrocesso social apenas pode funcionar em casos-limite, uma vez que, desde logo, o princípio da alternância democrática, sob pena de se lhe reconhecer uma subsistência mera- mente formal, inculca a revisibilidade das opções político-legislativas, ainda quando estas assumam o carácter de opções legislativas fundamentais. A proibição do retrocesso social opera assim apenas quando se pretenda atingir «o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana», ou seja, quando «sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios», se pretenda proceder a uma «anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição , 7.ª edição, Coimbra,

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