TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

123 ACÓRDÃO N.º 3/10 contêm também − ou podem conter − um conteúdo mínimo, nuclear ou, porventura essencial directamente aplicável» (Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada , org. Jorge Miranda/Rui Medei­ ros, Tomo I, p. 634, da Coimbra Editora). Mas é certo, também, que esse conteúdo mínimo ou nuclear directamente aplicável tem um âmbito relativamente mais restrito do que nos direitos, liberdades e garantias e que, portanto, o legislador sempre manterá, em matéria de direitos económicos e sociais, uma mais ampla margem de livre conformação. O Tribunal Constitucional tem admitido que determinadas concretizações do direito à segurança social são resistentes ao legislador. Foi o que sucedeu, por exemplo, com o direito a um rendimento mínimo, que o Tribunal entendeu que decorreria do n.º 3 do artigo 63.º da Constituição, conjugado com a ideia de digni­ dade humana consagrada no artigo 1.º da Constituição (Acórdão n.º 509/02, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional , 54.º Vol. , p. 19). Na verdade, naquelas circunstâncias típicas previstas no n.º 3 do artigo 63.º quando esteja em causa a própria subsistência mínima e, portanto, a existência socialmente con- digna, o direito à segurança social adquire uma urgência e uma força vinculante que o tornam directamente aplicável e o subtraem, em ampla medida, ao poder de legislar. Em geral não é, porém, assim. Sendo o direito à segurança social um direito de carácter essencialmente económico e social, a sua realização depende, sobretudo, de prestações positivas de terceiros, isto é, dos actuais contribuintes para o sistema de segurança social e, em última análise, do Estado. Isso explica que, por regra, o seu conteúdo não se possa definir de forma independente da legislação. É ao legislador que incumbe fazer as necessárias ponderações que garantam a sustentabilidade do sistema e a justiça na afectação de recursos. Deste modo, a mera sucessão de leis no tempo em matéria de segurança social não é, em geral, passível de afectar o próprio direito à segurança social “como um todo”, salvo os casos em que esteja em causa o míni­ mo de existência condigna, o que não sucede na situação em análise, em que as alterações legislativas estão muito longe de traduzir uma supressão da protecção mínima àqueles que, por força da idade, perderam a capacidade de auferir rendimentos pelo trabalho. O direito à segurança social não é, de modo algum, um direito imune à possibilidade de conformação legislativa. As condições de acesso ao direito à aposentação e a concreta forma de cálculo das respectivas pensões não são intocáveis pelo legislador, podendo este legislar de modo a definir tais condições e tal valor. Assim, a protecção dos direitos a prestações sociais já instituídos opera, no essencial, através dos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, tais como a igualdade ou a confiança legítima, e não através do apelo ao direito à segurança social. Deve, ainda, acrescentar-se que a Constituição consagra, em termos gerais, o direito à segurança social, no artigo 63.º, mas não impõe aí, nem em nenhum outro lugar, um direito à segurança social que esteja especificamente referido aos funcionários públicos e pessoas para tal efeito equiparadas. Ou seja, em matéria de segurança social, a Constituição não atribui qualquer direito especial ou privilegiado a nenhuma categoria de pessoas em razão das suas funções. Pelo contrário, o objectivo constitucionalmente consagrado de convergência e unificação do sistema de segurança social visa, no essencial, dar expressão institucional aos princípios da igualdade e da universalidade, em matéria de segurança social. Deste modo, se a lei ordinária, porventura, consagra um regime especial para os funcionários públicos em matéria de segurança social não é por imperativo constitucional, mas por opção político-legislativa – uma opção que, uma vez tomada, compromete o legislador em termos de protecção da confiança e de segurança das situações passadas, mas que não o impede, em absoluto, de alterar tal situação especial. Em suma, não procede a alegação de que as alterações legislativas violam o direito à segurança social, no seu conteúdo constitucionalmente relevante, restando, pois, resolver a questão à luz dos princípios do Estado de direito democrático que o requerente concretamente invoca. Nesta tarefa, o Tribunal seguirá, de perto, a fundamentação do recente Acórdão n.º 188/09 (publi- cado no Diário da República , II Série, de 18 de Maio de 2009), onde se analisou a constitucionalidade de

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