TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
116 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL configurar uma discriminação irrazoável e inadequada entre dois universos dos mesmos subscri- tores da Caixa Geral de Aposentações traduzindo-se numa violação do artigo 13.º da Constituição. Acresce que, neste quadro legal de desfavorecimento dos trabalhadores da Administração Pública, com mutações legais sucessivas que agravam, e de que maneira, o regime de aposentação, não sabendo nunca os trabalhadores com que podem contar no futuro, estar-se-á ainda a violar o «princípio de proibição do retrocesso social», enquanto dever do Estado de abster-se de atentar contra a realização dada aos direitos sociais, aqui, o direito à aposentação e correlativa pensão, consolidado na ordem jurídica e tutelado pela Constituição (a este respeito, junta o requerente um anexo, sob o título “retrocesso social resultante do Estatuto”, dando o exemplo hipotético de um trabalhador com 36 anos de serviço, 60 anos de idade e uma remuneração mensal de € 1000, o qual segundo as regras em vigor em 1985, receberia € 1000 euros de pensão, mas que, em iguais condições, apenas irá receber € 758 de pensão de aposentação, de acordo com o regime actual- mente em vigor). — Na linha do entendimento do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/04, citando outros arestos, será na violação desse dever de abstenção que consistirá o retrocesso social, constitucio- nalmente proibido, sendo que a margem de liberdade do legislador retroceder no grau de pro- tecção já atingido — e, aqui, ele foi atingido com todo o sistema legal de aposentação anterior aos anos de 2004 e 2005 — é necessariamente mínima (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional , 60.° Vol., p. 105 e seguintes). É mínima e, por isso, as alterações que o legislador entendeu intro- duzir naquele sistema ao longo da década de 2000 importaram, à luz de critérios de proporcionali- dade e de razoabilidade, uma lesão grave e profunda na “confiança do sistema” que os trabalhadores da Administração Pública depositaram durante a sua carreira contributiva. — Com efeito, o dever de manter o sistema mais favorável para os trabalhadores deveria ser preocupa- ção do Estado, cumprindo normas e princípios constitucionais, sem nunca bulir com esferas patri- moniais assentes em legítimas expectativas de muitos anos. Ainda que não se queira afirmar que os subscritores da Caixa Geral de Aposentações “adquiriram o direito” à pensão completa ou pensão máxima se ainda não completaram os 36 anos de serviço — isto, à luz do Decreto-Lei n.° 116/85 — é bom de ver que pelo menos, criaram, e ao longo dos anos fortaleceram, o profundo sentimento de que haveriam de “chegar lá”, de que por certo obteriam o direito que outros antes de si alcan- çaram. Isso seria, na sua legítima expectativa, a solução justa e nenhuma outra jamais esperariam (outra coisa veio a resultar da aplicação das Leis n.°s 1/2004, 60/2005, 52/2207 e 11/2008). — É, assim, posta em causa a conjugação da estabilidade da concretização legislativa já alcançada, anteriormente àquelas Leis, no domínio do direito à aposentação, com a liberdade de conformação que possa assistir ao legislador, sobretudo quando este ressalvou situações constituídas no passado (ressalvadas com o Decreto-Lei n.° 286/93, para os subscritores inscritos até 1 de Setembro de 1993, mas não respeitadas depois pelo legislador com os diplomas legais de 2004, 2005, 2007 e 2008). Notificado para se pronunciar sobre este pedido, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos. Elaborado pelo Presidente do Tribunal o memorando a que se refere o artigo 63.º da Lei do Tribunal Constitucional, e tendo este sido submetido a debate, nos termos do n.º 2 do referido preceito, cumpre agora decidir de acordo com a orientação que o Tribunal fixou.
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