TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
107 ACÓRDÃO N.º 121/10 Na verdade, ao alargar o sentido semântico da garantia institucional “casamento”, de modo a abarcar as uniões homossexuais, o legislador ordinário contraiu o âmbito normativo do direito fundamental e da garantia institucional do casamento, na medida em que este passou agora a compreender apenas como uma sua parcela a normatividade que o mesmo anteriormente transportava. É defensável a criação de um instituto de reconhecimento jurídico do contrato celebrado entre duas pessoas do mesmo sexo que pretendam constituir família mediante comunhão de vida, atribuindo-se-lhe efeitos jurídicos que não pressuponham, segundo as leis da Natureza, a diferença de sexos ou conduzam à descaracterização dos que necessariamente são postulados pelo casamento, buscando arrimo na cláusula geral inserta no direito ao livre desenvolvimento da personalidade constante do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, sede constitucional adequada para acautelar a realização de todos os fins cuja prossecução a Constituição não repudie e através dos quais o sujeito pessoa entenda dever desenvolver a sua vida. A restrição de âmbito do direito fundamental em causa é, pois, constitucionalmente ilegítima. Depois, o legislador destruiu o valor do simbolismo do casamento enquanto garantia institucional con- ferida a pessoas de sexo diferente, com milénios de existência: o estado de casado, na Comunidade Jurídica e Social, era próprio – e foi-o durante, pelo menos, cerca de 7 milénios – apenas de pessoas de sexo diferente. Ora, o simbolismo ou o valor simbólico das instituições constitucionais constitui um valor constitucio- nal relevante, como decorre, desde logo, do reconhecimento que é dado aos símbolos nacionais e à língua oficial (artigo 11.º da Constituição), mas que, também, se pode ver associado, como valor intrínseco, à previsão constitucional das relações de interdependência entre os diversos órgãos de soberania (artigos 110.º e 111.º da Constituição), a demandarem um respeito próprio e autónomo a cada um deles, bem como nas diversas garantias materiais institucionais previstas na Constituição (pense-se, por exemplo, na autonomia das universidades – artigo 76.º, n.º 2, da Constituição). O reconhecimento aos homossexuais, sob invocação dos princípios da dignidade humana, da igual- dade e da privacidade, do direito de procederem legalmente à união civil das suas vidas, não autoriza a que esse tratamento tenha de passar pela apropriação do valor simbólico do casamento e do estado de casado enquanto instituição própria, segundo a sua matriz histórica, de uma união entre pessoas de sexo diferente, afectando desse jeito a imagem da instituição existente. A diluição ou degeneração do valor social do estado de casado segundo um paradigma de diferenciação de sexos não se afigura necessária para salvaguardar os direitos fundamentais dos casais homossexuais, antes prosseguindo o intuito ilegítimo de confundir ou ocultar, à custa do valor próprio do casamento, enquanto união reconhecida entre homem e mulher, adquirido ao longo dos séculos, uma parte da realidade de facto que subjaz ao acesso a esse estado. – Benjamim Rodrigues. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Abril de 2010. 2 – Os Acórdãos n . os 105/90, 232/03, 590/04, 359/09 e 651/09 estão publicados em Acórdãos , 15.º, 56.º, 60.º, 75.º e 76.º Vols., respectivamente.
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