TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

106 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL espaço, maior ou menor, de liberdade de conformação legal, mas proibindo-lhe sempre a destruição, bem como a descaracterização ou a desfiguração da instituição (do seu núcleo essencial)”. Reduzir o casamento, como fez o Acórdão, contra todo o coro do sistema jurídico-constitucional e ordinário, ao estabelecimento de uma relação de comunhão de vida entre duas pessoas, estabelecida mediante um acto como tal designado, juridicamente regulado, livre, incondicional e inaprazável, é descaracterizar radicalmente a garantia institucional constante da Constituição e isso só seria constitucionalmente legítimo através de uma revisão constitucional. É que não se vê nela qualquer resquício normativo, suportado em quaisquer elementos de interpretação, de o conceito normativo casamento estar reduzido a tal alegado agora núcleo essencial, para além de um aparente apoio numa certa compreensão (errada, no caso) do princípio da igualdade. Hoje, ao falar-se de casamento e do estado de casado fica sem saber-se a que tipo de relação juridica- mente relevada existente entre as pessoas se refere: se a um contrato entre duas pessoas de sexo diferente celebrado com o escopo de, através desse contrato, essas pessoas de sexo diferente pretenderem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, família esta, por norma, com natureza geracional e, por regra, naturalmente alargada, entrelaçando várias gerações, onde a afectividade brota como um chamamento da própria natureza humana; se a um contrato entre duas pessoas do mesmo sexo celebrado com o escopo de constituir família mediante comunhão de vida, onde as relações entre as duas pessoas se centram essen- cialmente numa dimensão afectiva. Desde já importa notar que a comunhão de vida, numa relação homossexual só é conseguível – afastada que está a complementaridade dos sexos e os efeitos a ela associados como a possibilidade (não a necessi- dade) da existência de determinados tipos de relações sexuais e de procriação – enquanto referida a todos os aspectos da vida que não pressuponham a diferença de sexos: a uma comunhão de vida dessas pessoas, sim, mas apenas dentro do universo subjectivo e temporal do género unido pelo casamento. O núcleo do casamento passou, assim, para o reconhecimento legal da existência de uma declaração de afectos existentes entre duas pessoas, sem estar associado ao modo normal de constituição da família geracional: os efeitos do casamento homossexual quedam-se pelos horizontes temporais das pessoas que o celebram, não contribuindo para o devir da Comunidade Jurídica que o reconhece. Não vemos como é que das circunstâncias de o casamento heterossexual não ter necessariamente de pressupor a ocorrência da procriação, seja por opção dos próprios, seja por impossibilidade fisiológica, se podem extrair argumentos no sentido de a união civil de pessoas do mesmo sexo ter de ser efectuada, para salvaguardar os princípios da dignidade humana, da igualdade e da privacidade, com apropriação da institui- ção casamento tal como ela se mostra assumida no sistema jurídico. Não se torna possível colocar no mesmo plano do casamento heterossexual, onde essas situações correspondem a opções ou impossibilidades fisiológicas circunstanciais (não imanentes ao género), as situa- ções onde essas ocorrências nunca são possíveis, de plano, como se passa nos casamentos homossexuais. A igualdade em causa não passa de uma igualdade simplesmente formal, criada pelo legislador, como produto legislativo. 10 – A razão intrínseca do casamento heterossexual encontra-se na possibilidade da complementaridade dos sexos dentro da própria matriz da pessoa humana: complementaridade sexual, fisiológica, psicológica, sentimental, afectiva, numa linha de correspondência com o que acontece com o nascimento da vida huma- na, que apenas se torna possível segundo essa regra de complementaridade e cujo normal desenvolvimento assenta também, de acordo com as regras de normalidade, nessa complementaridade. Temos, assim, que o legislador ordinário desfigurou o direito fundamental e a garantia institucional do casamento existente no sistema constitucional e no sistema ordinário. E fê-lo desnecessária e desproporcionadamente, violando o disposto nos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição.

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