TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
105 ACÓRDÃO N.º 121/10 (subjectivo) fundamental – «o de significar o estabelecimento de uma relação de comunhão de vida entre duas pessoas (independentemente do seu sexo), estabelecida mediante um acto como tal designado, juridi- camente regulado, livre, incondicional e inaprazável». Só, sendo assim (e sem curar de saber, por desnecessário, se um tal sentido contrário à DUDH seria legítimo), se poderia sustentar estar-se perante um direito fundamental com um âmbito de protecção mais alargado do que aquele que decorre da DUDH, pelo que a invocação desta DUDH não teria um sentido explicativo ou integrador do direito fundamental de contrair casamento, mas antes restritivo, não cabendo este na intencionalidade da regra constitucional constante do artigo 16.º, n.º 2. Mas este passo teve o Acórdão o pudor de o não dar, precisamente pela evidência de que um tal enten- dimento se tratava, à data da Constituição originária, de uma aventurada ficção, pois só os sinais dos tempos vieram dar conta da necessidade social de regulação de uma nova realidade nas relações de família. Depois, não concordamos de todo em todo com a asserção redutora feita no Acórdão no sentido de que o n.º 2 do artigo 16.º da Constituição «funciona apenas in bona parte e do “lado” jurídico-individual dos direitos fundamentais». Essa funcionalidade apenas teria sentido se o legislador constituinte houvesse assumido, sem margens para quaisquer fundadas dúvidas interpretativas, o paradigma de contrato de casamento agora acolhido, caso em que o âmbito de protecção do direito fundamental e da garantia institucional do casamento, entendidos nestes novos termos, seria mais alargado do que o constante da DUDH. Como se disse, o Acórdão não foi capaz de chegar aí, tendo-se quedado pela afirmação da realização de uma interpretação actualista do preceito Constitucional, o que leva pressuposto que o actual conteúdo nor- mativo-constitucional tanto podia ser aquele que defende (de inclusão do casamento homossexual), como outro, se a História caminhasse numa outra direcção, como acaba por expressamente reconhecer ao dizer que, à data da fixação do texto constitucional, “o problema era político-juridicamente desconhecido”. Nesta perspectiva, no mínimo e no limite, o Acórdão não poderia, então, deixar de ter admitido, para ser congruente, que, se ainda hoje são mais que possíveis as dúvidas sobre o recorte constitucional do núcleo do direito fundamental e da garantia institucional do casamento, o que não se poderia dizer relativamente ao momento em que o legislador constituinte se “apoderou” da instituição existente no sistema então vigente (seja o sistema constitucional anterior ressalvado pela Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, seja o sistema infracons- titucional)! Ora, a haver dúvidas acerca do núcleo essencial do direito fundamental e da garantia institucional do casamento, consagrado na Constituição originária – dúvidas estas que corresponderão, no mínimo, a um limite científico de intelegibilidade da Lei Fundamental cuja existência não pode afastar-se – elas teriam, e terão ainda hoje, de ser solvidas de acordo com o artigo 16.º, n.º 1, da DUDH. Na verdade, o artigo 16.º, n.º 2, da Constituição não determina apenas, como diz o Acórdão, a apli- cação da DUDH in bona parte , mas consagra, também, os princípios da interpretação e da integração dos preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais de harmonia com a DUDH (princípio da interpretação em conformidade com a DUDH) (cfr., sobre a história da inserção do preceito na nossa Constituição na Assembleia Constituinte e o sentido do texto, Jorge Miranda, “A Declaração Universal dos Direito do Homem e a Constituição”, in Estudos sobre a Constituição , 1.º Volume, p. 60). Nesta medida, os preceitos dos n. os 1 e 2 do artigo 36.º da Constituição apenas podem ser entendidos com o sentido constante da DUDH, ou seja segundo um direito fundamental e garantia institucional con- stitucional (natureza que lhe advém da previsão na nossa Constituição) do homem e da mulher a, na idade núbil, casar-se um com o outro (sentido emergente da DUDH). 9 – Ora, como bem diz José Carlos Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 2.ª edição, p. 141, cuja doutrina o Acórdão cita mas sem dela tirar as devidas ilações, “deve entender-se que as garantias institucionais se referem ao complexo jurídico-normativo na sua essência e não à realidade social em si, de modo que […] é com esse alcance que vinculam o legislador, admitindo um
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