TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

103 ACÓRDÃO N.º 121/10 “os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação». Ao dispor que os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à manutenção de educação dos filhos e ao proibir a existência de qualquer discriminação entre os filhos nascidos dentro do casamento e fora do casa- mento, o legislador constitucional deixa bem claro que os filhos a que se está a referir são os filhos biológicos e que o casamento a que se refere é o casamento entre pessoas de sexo diferente, pois só neste caso a hipótese é possível a hipótese verificar-se segundo as leis da Natureza. No casamento entre pessoas do mesmo sexo não cabe, como efeito consequente admissível sob o ponto de vista da Natureza, qualquer previsão de regulação das relações de ambos os cônjuges quanto “à manuten- ção e educação dos filhos” nem a referida destrinça de hipóteses quanto aos filhos. E dados os termos da sua formulação é seguro que os n. os 3 e 4 do artigo 36.º não se referem aos filhos adoptivos, porquanto a previsão da adopção, enquanto fórmula ou forma jurídica de estabelecimento da relação de filiação contemplada naqueles números, apenas, numa dimensão biológica (constituída dentro ou fora do casamento), só vem prevista depois de tais preceitos, no n.º 7 do mesmo artigo, e como estatuto a «regular e a proteger nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação» (questão que nunca se põe relativamente à filiação natural). De notar que sempre que a Constituição de 1976 se quis afastar dos conceitos normativos existentes no sistema (inclusive, constitucional anterior) em matéria de família, de filiação e das relações entre os cônjuges, prescreveu-o expressamente, não deixando lugar a dúvidas. É o que decorre do seu artigo 36.º relativamente ao princípio da igualdade entre os filhos nascidos do casamento ou fora do casamento ou dos direitos dos cônjuges quanto à capacidade civil e política e à manu­ tenção e educação dos filhos, em manifesto contraste com o regime anterior (cfr. artigos 6.º e 12.º a 14.º da Constituição de 1933). Por outro lado, o casamento também não está assumido enquanto conceito descritivo no todo do resto do nosso sistema jurídico. Sempre que o legislador ordinário o relevou para lhe associar quaisquer efeitos jurídicos, nos mais diversos domínios do direito, moveu-se sempre no quadro de uma ponderação de atribuição de tais efeitos em função do casamento enquanto envolvendo este um contrato entre pessoas de sexo diferente que consti- tuíram família mediante plena comunhão de vida. O direito de contrair casamento que foi, pois, assumido pelo legislador constituinte, por um lado, como direito fundamental reconhecido a todos e, por outro lado, enquanto garantia institucional, foi o casamento heterossexual. 7 – É claro que o Acórdão, intentando justificar a sua tese, se acoberta debaixo da literalidade do n.º 2 do artigo 36.º da Constituição, de acordo com a qual “a lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração”, vendo compreendido no termo “requisitos” a possibilidade legislativa de opção pela exigência ou não da heterossexualidade dos contraentes. Todavia, o termo “requisitos” tem de considerar-se bem curto para poder justificar uma total redefinição do casamento, dado que nunca foi entendido, na linguagem do direito positivo, como dizendo respeito à noção (substância) do contrato a que se refere quando esta é por ele expressamente enunciada. Sendo a heterossexualidade dos cônjuges, segundo o conceito constitucional de casamento, elemento essencial do contrato, os requisitos apenas poderão, assim, referir-se aos pressupostos exigidos para a cele­ bração do tipo de contrato em que os contraentes são homem e mulher que pretendem constituir família mediante plena comunhão de vida. Era assim, de resto, que a matéria se encontrava regulada no Código Civil à data da Constituição origi­ nária (cfr. artigos 1577.º e 1596.º e seguintes) e continua, ainda hoje a estar, como era assim que a Consti- tuição de 1933 a compreendia, no seu artigo 13.º, § 1.º, em termos, aliás, mais precisos.

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