TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
101 ACÓRDÃO N.º 121/10 Aceitar a alteração constante do projecto em análise que vem afastar o requisito da diferença de sexos entre os nubentes equivale a uma alteração constitucional por via de lei simples da Assembleia da República. As funções de garantia da Constituição que impendem sobre este Tribunal imporiam, no meu entender, que o mesmo se pronunciasse agora no sentido da inconstitucionalidade de tal solução. São estas as razões que me levam a dissentir do Acórdão que fez vencimento. – José Borges Soeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO 1 – Votei vencido por não poder acompanhar a solução que fez vencimento. 2 – Entendo, firmemente, que a solução sustentada no Acórdão corresponde a uma revisão ou uma mutação constitucional levadas a cabo em matéria do casamento, pelo Tribunal Constitucional, com viola- ção do princípio constitucional da separação de poderes. 3 – Antes de mais, não posso deixar passar em branco o facto de, na economia da questão a resolver dentro de uma Constituição de tipo “rígido”, não se ver qualquer utilidade no percurso feito pelo acórdão no campo do direito comparado dos países do common law . Se algum sentido tinha a pesquisa feita nesse âmbito, ela apenas se vislumbrava relativamente àqueles sistemas jurídicos onde o casamento tem tratamento constitucional paralelo ou aproximado ao nosso, como seja, por exemplo, o da Lei Fundamental alemã, cujo figurino não foi, porém, seguido pelo nosso legislador. 4 – De qualquer modo – sumariamente e cingindo-nos ao ambiente europeu – é de acentuar que tanto o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, como, finalmente, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias nunca afirmaram que o casamento enquanto instituição jurídica reservada apenas para as uniões heterossexuais constituísse qualquer forma de discrimina- ção ilegítima em face das uniões homossexuais, seja à face das convenções internacionais que interpretaram (Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou Tratado da União Europeia), seja à face dos princípios universalmente aceites como o da dignidade humana e o da igualdade de direitos. E o mesmo se diga das Resoluções e Recomendações, identificadas no Acórdão, provindas da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e do Parlamento Europeu. O mais nelas alguma vez reivindicado foi o reconhecimento das uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes (possível sob outros institutos) e a atribuição de direitos iguais (onde a natureza os consinta). Nunca se defendeu que o alargamento do conceito normativo do casamento no sentido de abranger as uniões homossexuais e heterossexuais fosse a única solução possível como modo de respeitar o princípio da dignidade humana, o direito à privacidade, o direito à igualdade e o gozo dos direitos e liberdades sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo ou na orientação sexual. 5 – O Acórdão entendeu que «o conceito constitucional de casamento é um conceito aberto, que admite não só diversas conformações legislativas, mas também diversas concepções políticas, éticas e sociais, tendo sido confiada ao legislador ordinário a tarefa de, em cada momento histórico, apreender e verter no orde- namento aquilo que nesse momento corresponda às concepções dominantes nesta matéria». Num sistema constitucional de tipo continental, rígido, cunhado segundo a matriz ideológica da Revolução Francesa, como é o nosso, e tendo em conta os pertinentes parâmetros jusfundamentais, não podemos estar mais em desacordo.
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