Tribunal Constitucional Relatório de Atividades 2021

RELATÓRIO DE ATIVIDADES 2021 | 14 Plenário Fiscalização Preventiva MORTE MEDICAMENTE ASSISTIDA Acórdão n.º 123/2021 | 15 março 2021 O Tribunal Constitucional decidiu o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade de diversas normas do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República, com destaque para o n.º 1 do artigo 2.º relativo às condições em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e à alteração do Código Penal daí decorrente, que o Presidente da República lhe submeteu. Nos termos daquele artigo 2.º, n.º 1, que é a norma que consagra a opção do legislador de não punir a antecipação da morte medicamente assistida, quando realizada em determinadas condições, uma pessoa só pode recorrer à antecipação da morte medicamente assistida não punível desde que observe todas e cada uma das condições previstas nesse artigo, entre as quais se destaca a de tal pessoa se encontrar «em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal». O Senhor Presidente da República, a título principal, suscitou duas dúvidas de constitucionalidade apenas quanto aos seguintes aspetos desta última condição: 1.ª - O caráter excessivamente indeterminado do conceito de sofrimento intolerável; 2.ª - O caráter excessivamente indeterminado do conceito de lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico. O Tribunal entendeu, em primeiro lugar, ser indispensável considerar a norma do referido artigo 2.º, n.º 1, como um todo incindível. Em segundo lugar, o Tribunal apreciou, tendo concluído pela negativa a questão de saber se a inviolabilidade da vida humana, consagrada no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, constitui um obstáculo inultrapassável a uma norma, como a do artigo 2.º, n.º 1, aqui em causa, que admite a antecipação da morte medicamente assistida em determinadas condições. A este respeito considerou o Tribunal que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias. Na verdade, a conceção de pessoa própria de uma sociedade democrática, laica e plural dos pontos de vista ético, moral e filosófico, que é aquela que a Constituição da República Portuguesa acolhe, legitima que a tensão entre o dever de proteção da vida e o respeito da autonomia pessoal em situações-limite de sofrimento possa ser resolvida por via de opções políticolegislativas feitas pelos representantes do povo democraticamente eleitos como a da antecipação da morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa. Tal solução impõe a instituição de umsistema legal de proteção que salvaguarde em termos materiais e procedimentais os direitos fundamentais em causa, nomeadamente o direito à vida e a autonomia pessoal de quem pede a antecipação da sua morte e de quem nela colabora. Por isso mesmo, as condições em que, no quadro desse sistema, a antecipação da morte medicamente assistida é admissível têm de ser claras, precisas, antecipáveis e controláveis. Em terceiro lugar, e quanto à primeira dúvida de constitucionalidade referida pelo Senhor Presidente da República no seu pedido de fiscalização preventiva, o Tribunal entendeu que o conceito de sofrimento intolerável, sendo embora indeterminado, é determinável de acordo com as regras próprias da profissão médica, pelo que não pode considerar-se excessivamente indeterminado e, nessa medida, incompatível com qualquer norma constitucional. Em quarto lugar, e no tocante à segunda dúvida de constitucionalidade referida pelo Senhor Presidente da República no seu pedido de fiscalização preventiva, o Tribunal entendeu que o conceito de lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico, pela sua imprecisão, não permite, ainda que considerado o contexto normativo emque se insere, delimitar, como indispensável rigor, as situações da vida em que pode ser aplicado. Por causa dessa insuficiente densidade normativa, que afeta uma das condições previstas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da

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