40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa

73 Miguel Nogueira de Brito democrático ordinário quando esteja em causa um direito constitucional; por outro lado, a atribuição dum poder isento de controlo quando uma decisão do processo político demo- crático não afete um direito fundamental. É claro que a própria possibilidade de se admitir este segundo cenário depende de se aceitar a existência, no âmbito duma determinada ordem constitucional, dum direito geral de liberdade. Em segundo lugar (ii) , o princípio da proporcionalidade dá relevância aos valores democráticos num regime constitucional através do modo como se mostra capaz de reduzir a « tensão intertemporal entre o conjunto dos direitos arraigados e estabelecidos por uma maioria passada e a consequente incapacitação dos cidadãos atuais quanto a decidir como resolver muitas das questões político-morais mais fundamentais que os confrontam ». Esta é uma função que o processo político democrático desempenha ao constituir-se também como média via que exclui as visões dos direitos como trunfos absolutos ou escudos de proteção e da possibilidade de alteração dos direitos apenas pela via formal do processo de revisão constitucional. Por último (iii) , o princípio permite atribuir preponderância ao juízo razoável dos repre- sentantes eleitos sobre o conteúdo dum direito indeterminado, ou um direito com a estrutura dum princípio, sobre o juízo igualmente razoável, mas divergente, dos juízes constitucionais. A ideia de que o juízo razoável dos representantes políticos pode prevalecer sobre o juí- zo igualmente razoável, mas diferente, dos juízes constitucionais, pode ser entendida e desen- volvida de diversas formas. Robert Alexy afirmou a existência duma discricionariedade estru- tural atribuída ao legislador relativamente a todas as matérias que uma norma constitucional não proíbe nem prescreve. Na Constituição portuguesa, e em geral em todas as constituições, não são frequentes as normas de direitos fundamentais que não atribuam em alguma medida uma discricionariedade deste tipo ao legislador. Uma exceção clara à atribuição desta margem de discricionariedade é, por exemplo, a norma do artigo 24.º, n.º 2, da Constituição: « Em caso algum haverá pena de morte ». Fora destes casos limite, poderia entender-se que a conceção das normas constitucionais como princípios, no sentido de mandatos de otimização, conduz diretamente ao resultado que a ponderação entre diferentes princípios e valores constitucio- nais admite apenas uma solução correta, o que equivale à ideia do « genoma jurídico » de que falava Forsthoff. Mas não é necessariamente assim: a determinação de intensidades de interfe- rência nos direitos, graus de importância na realização dos fins das medidas legislativas e pesos abstratos dos direitos não pode e não deve ser de tal forma que conduza à sua representação em escalas com um número infinito de classes. O que acaba de ser dito permite a existência de impasses no contexto da aplicação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito e, ainda que nem sempre seja fácil averiguar se esses impasses resultam da estrutura normativa dos direitos fundamentais ou da existência de limites ao conhecimento possível das condições da sua realização, a verdade é que também estes últimos fundamentam a atribuição duma discricionariedade ao legislador, precisamente através da atribuição duma especial relevância ao princípio democrático. A admissão da existência duma discricionariedade epistémica, relativa à incerteza do conhecimento daquilo que é efetivamente proibido, prescrito ou permitido por um direito fundamental, equivale a reconhecer ao legislador, na estrita medida dessa incerteza, a com- petência para determinar por si mesmo aquilo que os direitos proíbem, prescrevem ou per- mitem. Isto equivale, por sua vez, a reconhecer também uma divergência entre aquilo que é realmente o conteúdo normativo dum direito e aquilo que pode ser demonstrado como fazendo parte desse mesmo conteúdo.

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