40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
71 Miguel Nogueira de Brito Uma segunda via que não pretendo explorar prende-se com as alternativas institucionais que têm sido exploradas em alguns países para acomodar a judicial review e, ao mesmo tempo, combater as tendências que a mesma possa desenvolver no sentido de estabelecer uma juristo- cracia. Refiro-me à « forma fraca de judicial review », ou ao « novo modelo de constitucionalismo da Commonwealth britânica », recentemente introduzido em países como o Canadá, a Nova Zelân- dia, o Reino Unido e o Território da Capital Australiana e o Estado de Vitória 46 . De acordo com a forma fraca de judicial review os tribunais começam por aplicar o princípio da proporciona- lidade nos termos usuais. Todavia, no caso de entenderem que ocorreu uma restrição excessiva dum direito, o poder legislativo tem a possibilidade de fazer valer, em certas condições, o seu ponto de vista, em termos que não deixam de revestir algum paralelo com o mecanismo de confirmação dos decretos pelo parlamento relativamente aos quais o Tribunal Constitucional se tenha pronunciado pela respetiva inconstitucionalidade em sede de fiscalização preventiva, de acordo com o previsto no artigo 279.º, n. os 2 e 4, da Constituição. Todas estas formas de judicial review têm em comum o serem próprias de países em que é recente a introdução de declarações de direitos e em que existe uma tradição anterior muito forte de omnipotência parlamentar. Finalmente, uma terceira via de reconfiguração do princípio da proporcionalidade con- siste em rever os próprios testes em que o mesmo se desdobra, isto é, os testes da adequação, da necessidade e da ponderação. Neste âmbito, alguns autores propõem simplesmente a eli- minação do terceiro teste, respeitante à ponderação, quando esteja em causa a apreciação jurisdicional de atos legislativos 47 . Outros ainda propõem a substituição da ponderação ad hoc por uma ponderação definitória, menos centrada nas especificidades do caso concreto e mais preocupada em encontrar a solução do caso com base em critérios suscetíveis de aplicação futura e, por essa razão, mais capazes de assegurar os valores da previsibilidade e da segurança jurídica 48 . Em ambos os casos, a ideia seria resistir à acusação de que o terceiro teste implica o envolvimento dos tribunais em questões de política (no sentido de policy ) 49 . A experiência demonstra, todavia, que aqueles tribunais constitucionais, como o do Canadá, que prescindem da terceira fase de aplicação do princípio da proporcionalidade, res- peitante à ponderação, tendem a mostrar-se particularmente exigentes em relação à segunda fase, ou teste da necessidade. Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal canadiano demonstra que o teste da necessidade, tal como o entende, vai para além da simples deter- minação da existência de meios alternativos que teriam alcançado o fim da lei impondo um encargo menor ao direito limitado pela mesma lei. Para além disso, requer a demonstração 46 Cf. Stephen Gardbaum, “Proportionality and Democratic Constitutionalism”, cit. , pp. 275 e ss. 47 Assim, por exemplo, Bernhard Schlink, “Der Grundsatz der Verhältnismä β igkeit”, in Peter Badura e Horst Dreier (orgs.), Festschrift 50 Jahre Bundesverfassungsgericht , vol. II, Mohr Siebeck, Tübingen, 2001, pp. 458-460. Para este autor o Tribunal Constitucional poderia aplicar o terceiro teste da proporcionalidade, relativo à ponderação, quando estivessem em causa decisões do executivo ou dos tribunais comuns, mas não quando estivessem em causa atos legislativos. 48 Cf. Jochen von Bernstorff, “Proportionality Without Balancing: Why Judicial Ad Hoc Balancing is Unnecessary and Potentially Detrimental to the Realisation of Individual and Collective Self-determination”, p. 76; Marcelo Neves, Entre Hydra e Hércules: Princípios e Regras Constitucionais como Diferença Paradoxal no Sistema Jurídico , pp. 200 e 222. O problema desta orientação é o de conduzir eventualmente à introdução duma hierarquia entre os vários direitos fundamentais. 49 Dieter Grimm responde a esta acusação com dois argumentos: em primeiro lugar, o argumento da função do princípio da proporcionalidade, que é a de conferir pleno efeito aos direitos fundamentais; em segundo lugar, o argumento do carácter limitado e circunstanciado da apreciação do tribunal. No primeiro caso, se a lei que permite à polícia o uso da força de modo a matar uma pessoa, se esse for o único meio capaz de evitar a perpetração dum crime, não for sujeita ao teste da pondera- ção o direito à vida não será suficientemente garantido. Quanto ao segundo argumento, importa reconhecer, todavia, que o mesmo se mostra de alcance duvidoso quando estiver em causa a fiscalização abstrata da constitucionalidade duma lei.
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