40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
70 O novo constitucionalismo dirigente 40.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa Colóquio Comemorativo Quando refiro a necessidade de reconfigurar o entendimento prevalecente no âmbito do princípio da proporcionalidade não pretendo, de modo algum, pôr em causa este princí- pio, firmemente arreigado na cultural constitucional portuguesa e europeia. Vou começar, na verdade, por esclarecer em que sentido não pretendo questionar o princípio da proporcionali- dade, caracterizando, do mesmo passo, a respetiva conceção prevalecente, para depois precisar o que entendo por reconfiguração desta última. O primeiro sentido em que não pretendo questionar o princípio da proporcionali- dade diz respeito ao próprio modelo de análise dos direitos fundamentais que lhe está sub- jacente. Esta análise compreende, por assim dizer, duas fases: primeiro, define-se o âmbito do direito e determina-se se ocorreu uma restrição desse mesmo âmbito; depois, avalia-se se o legislador atuou justificadamente, isto é, segundo os ditames do princípios da propor- cionalidade, ao restringir o direito em causa 43 . Esta abordagem dos direitos fundamentais tem raízes nos próprios textos constitucionais 44 , na medida em que quase todos eles con- têm disposições que definem o âmbito dos direitos e disposições que contêm cláusulas de limitação dos direitos em causa – sejam elas específicas de certos direitos ou de âmbito mais geral, ou ainda uma combinação das duas possibilidades, como sucede com a Constituição portuguesa. Sem prejuízo de ser este o modelo dominante, há, todavia, quem pretenda pô-lo em causa, rejeitando, do mesmo passo, a proporcionalidade e a ponderação. Assim sucede, antes de mais, com aqueles que defendem uma certa visão dos direitos como trunfos absolutos ou escudos de proteção, que podem ser submetidos a ponderação apenas no confronto com outros direitos, mas não com valores ou interesses constitucionais que não sejam direitos fundamen- tais. O mesmo se passa, em segundo lugar, com aqueles que defendem que as cláusulas de limi- tes devem ser concebidas como permissões específicas de limitação atribuídas pelas constituições ao poder legislativo com base em justificações determinadas: se este último restringe ou limita um direito invocando uma razão permitida a sua atuação é conforme com a constituição; se o fizer com base numa razão excluída, a sua atuação é automaticamente inconstitucional, sem qualquer necessidade de ponderação. Finalmente, uma terceira alternativa, designada a « conce- ção especificadora dos direitos », consiste em sustentar que através da concretização das cláusulas de limites os direitos são ainda constituídos e delimitados e não verdadeiramente restringidos. Nesta visão as cláusulas de limites são, na verdade, cláusulas de interposição legislativa de que carecem os direitos para a respetiva aplicação a casos concretos 45 . Como facilmente se compreende nenhuma destas conceções tem qualquer correspon- dência na cultura constitucional portuguesa, em que se encontra firmemente arreigado o modelo de análise dos direitos em duas fases a que comecei por aludir. Os seus méritos care- ceriam de discussão apenas na hipótese de os valores que pretendem assegurar – preservar os direitos ou o processo político democrático – não lograrem tutela adequada no seio de tal cultura. Este não é, todavia, necessariamente o caso, como se verá. 43 Cf. Stephen Gardbaum, “Proportionality and Democratic Constitutionalism”, in Grant Huscroft, Bradley W. Miller e Grégoire Webber (orgs.), Proportionality and the Rule of Law: Rights, Justification, Reasoning , Cambridge University Press, 2014, p. 280; Grégoire C. N. Webber, The Negotiable Constitution: On the Limitation of Rights , cit., p. 65. 44 Cf. Mattias Kumm, “The Idea of Socratic Contestation and the Right to Justification: The Point of Rights-Based Propor- tionality Review”, in Law & Ethics of Human Rights , Volume 4, Issue 2, 2010, pp. 145-146. 45 Para estas diversas conceções, cf. Stephen Gardbaum, “Proportionality and Democratic Constitutionalism”, cit. , pp. 268-269; a conceção especificadora dos direitos é defendida por Grégoire C. N. Webber, The Negotiable Constitution , cit., pp. 133 e ss.
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