40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa

69 Miguel Nogueira de Brito A ideia de « ordenamento-quadro », por oposição ao dirigismo constitucional, consiste, por outras palavras, em tornar relevante no seio do constitucionalismo a noção de « circunstân- cias da política » 42 . Com efeito, o conteúdo de uma qualquer constituição é alcançado sempre sob as designadas « circunstâncias da política », isto é, a necessidade sentida pelos membros duma determinada comunidade de alcançarem uma decisão coletiva de algum tipo sobre as questões do justo e do bom, mesmo em circunstâncias em que discordamos sobre essas ques- tões. Do que se trata é de reconhecer o prolongamento das « circunstâncias da política » para lá do momento em que a constituição é adotada. Neste sentido, a ideia de constituição como « ordenamento-quadro », ainda que pudesse ser reclamada por um pensamento liberal clássico da constituição pelos autores que primeiro a formularam, presta-se especialmente a servir também como expressão dum ideal deliberativo ou republicano do constitucionalismo, que constitui ainda, aliás, uma expressão do ideal liberal. Às duas diferenças mencionadas entre o velho e o novo constitucionalismos dirigentes – isto é, as diferenças respeitantes à paternidade e à base filosófica, pelo primeiro claramen- te assumidas e pelo segundo deixadas em suspenso – acresce uma terceira. É que o velho constitucionalismo dirigente assumia-se como o produto deliberado duma vontade consti- tuinte expressa, ainda que de forma compromissória, como sucede com a versão originária da Constituição portuguesa. E, de facto, pode ainda ler-se no preâmbulo da Constituição um vestígio dessa vontade constituinte, entretanto quase completamente expurgada do texto constitucional, que « [a] Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno ». Com o novo constitucionalismo dirigente as coisas passam-se de modo diverso, como já referi anteriormente. Não está aqui em causa um ideal deliberado, nem sequer, como afirmei anteriormente, pelos autores a cujo pensamento muitas vezes se atribui esse mesmo ideal. Do mesmomodo, embora as raízes do constitucionalismo dirigente se possam emparte fazer remon- tar à proliferação da introdução de escolhas ético-políticas nas constituições do segundo pós- -guerra, a verdade é que esse facto poderia ter dado azo a desenvolvimentos diferentes, não fora a influência de decisões judiciais marcantes que extraíram determinadas consequências daquelas escolhas constituintes, que todavia nelas não se encontravam completamente predeterminadas. V. Contrariar o novo constitucionalismo dirigente Cabe agora dizer alguma coisa sobre os meios através dos quais se poderá perseguir o ideal dum constitucionalismo que reconheça as « circunstâncias da política » e rejeite o diri- gismo judicial. A meu ver, porventura o mais importante desses meios ou instrumentos consiste na necessidade de reconfigurar a conceção prevalecente no âmbito do princípio da proporcionalidade. 42  Cf. Jeremy Waldron, Law and Disagreement , Clarendon Press, Oxford, 1999, pp. 102 e 107 e ss.; Albert Weale, Democracy , Macmillan, Londres, 1999, pp. 10 e ss.; Richard Bellamy, Political Constitutionalism , cit., pp. 5 e 21; Grégoire C. N. Webber, The Negotiable Constitution: On the Limitation of Rights , cit., p. 7.

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