40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
68 O novo constitucionalismo dirigente 40.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa Colóquio Comemorativo dos diversos tipos de normas constitucionais. Simplesmente é duvidoso que seja essa a função da distinção em causa. Do que se trata é de afirmar a necessidade de preservar a liberdade do legislador como aspeto fundamental do constitucionalismo. Na verdade, as críticas à ideia de constituição como « ordenamento-quadro » que tenho vindo a referir ignoram a distinção entre o objetivo ou ideal de preservar a constituição como instrumento que possibilita a deliberação política e a limita, mas não presume saber de antemão orientá-la para um fim determinado e até conhecer os meios mais adequados para perseguir esse mesmo objetivo ou ideal. Começarei, pois, por dizer algo sobre o ideal subjacente à noção de constituição como « ordenamento-quadro », para depois referir, mais adiante, quais os meios que me parecem mais adequados para promover esse mesmo ideal. Relativamente ao ideal começo por dizer que a noção de constituição como um « orde- namento-quadro » recusa a ideia duma separação estrita entre a constituição dos direitos e a constituição do processo político democrático. Nos termos de tal separação os direitos carecem de proteção contra as interferências do processo político, não sendo pensados como produto deste último. Em vez disso, aquilo de que importa ter consciência é que remover os direitos do processo político democrático é uma atitude em si mesma injustificável. Imagi- nemos que distinguimos os direitos em três tipos. Em primeiro lugar, importa mencionar os direitos relativos ao bem-estar humano num sentido geral, incluindo direitos que protegem a dignidade humana, a liberdade de pensamento e de ação, a propriedade privada, o trabalho, a saúde e a família. Trata-se de direitos que correspondem aos requisitos para que os indiví- duos possam levar uma vida autónoma e responsável. Em segundo lugar, temos os direitos de carácter estritamente político, como o direito de eleger e ser eleito ou o direito de apresentar petições aos órgãos de soberania. Finalmente, em terceiro lugar, há que apontar os direitos respeitantes ao estado de direito, incluindo o devido processo legal e a igualdade perante a lei. Em vez de encarar o segundo e o terceiro grupo de direitos através do primeiro, importa encarar os direitos integrados naquele primeiro grupo de direitos como emergindo (e sendo desafiados) pelos processos associados com os dois outros grupos mencionados 40 . Pois bem, a recuperação da ideia de dimensão política de todos os direitos, ou a ideia de que o processo político democrático é apto a exprimir e a concretizar os princípios ou valores constitucionais com um grau de liberdade que não assiste a qualquer outro poder do Estado, incluindo o poder judicial, é que verdadeiramente me parece corresponder ao ideal subjacente à ideia de constituição como « ordenamento-quadro ». Ainda que a constituição implique agora pensar a política como a continuação do direito por outros meios isso não pode pôr em causa a especial legitimidade do poder legislativo para assegurar essa mesma continuação nas con- dições de liberdade de conformação que são o cunho da sua própria especificidade enquanto órgão de soberania. Reconhecer a dimensão política do constitucionalismo significa rejeitar os dois traços principais dum constitucionalismo puramente jurídico: em primeiro lugar, a ideia de que é possível chegar a um consenso racional sobre os resultados substantivos que uma sociedade comprometida com os ideais democráticos da igualdade deveria alcançar; em segundo lugar, a ideia de que o processo judicial é mais fiável do que o processo político democrático para identificar esses mesmos resultados 41 . 40 Cf. Richard Bellamy, Political Constitutionalism: A Republican Defense of the Constitutionality of Democracy , Cambridge University Press, Cambridge, 2007, p. 20. 41 Cf. Richard Bellamy, Political Constitutionalism , cit., p. 3.
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