40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
67 Miguel Nogueira de Brito chamado a desenvolvê-la 35 . A distinção é usada por Böckenförde no contexto duma defesa da compreensão liberal dos direitos fundamentais e como forma de alertar para os perigos dum aumento da competência do Tribunal Constitucional. Segundo o autor, a passagem da compreensão da constituição como um « ordenamento-quadro » para a sua compreensão como um « ordenamento-base » equivale à transição de um « Estado legislativo parlamentar » para um « Estado jurisdicional de tribunal constitucional » 36 . Importa mencionar outras compreensões da ideia da constituição como um « ordenamen- to-quadro ». Assim, o conceito pode ser lido como visando assegurar que permanecem submeti- das à decisão da maioria questões substanciais e nem tudo se encontra predefinido pela consti- tuição; em sentido próximo, pode significar que o legislador está apenas obrigado a adotar uma decisão conforme aos princípios, caso em que o controlo judicial dessa obrigação teria de ser configurado como respeitante à questão do « se », mas nunca à questão do « como » (isto é, à ques- tão de saber se o legislador decidiu segundo os princípios, mas já não à questão de saber como é que o legislador concretizou um princípio entre as várias alternativas que a esse propósito tinha perante si); finalmente, pode ainda sustentar-se que os direitos fundamentais devem ser com- preendidos, enquanto direitos de defesa, à luz da ideia de quadro, por oposição a um conteúdo jurídico objetivo que seria próprio da compreensão dos direitos como princípios, sendo que no primeiro caso aqueles direitos delimitam o espaço dentro do qual o legislador é livre de adotar as medidas que entender, enquanto no segundo estabelecem um sector proibido ao legislador 37 . É possível afirmar que o conceito de « ordenamento-quadro » « não diz mais para além de que a constituição ordena em alguns casos, proíbe noutros e atribui liberdade em ainda outros ». Nesta medida, o conceito não seria adequado a refletir a liberdade do legislador no que toca aos direitos fundamentais, uma vez que (i) seria tão amplo que não existiria praticamente nenhuma conceção de constituição que não se lhe ajustasse e (ii) não seria capaz de expor a variedade de espaços de liberdade do legislador, mais concretamente, não seria capaz de fornecer critérios para delimitar a liberdade do legislador em face das normas constitucionais 38 . Uma outra obje- ção ao conceito que tenho vindo a abordar consiste em sustentar que uma constituição pode muito bem ser ao mesmo tempo entendida, em relação a diferentes partes do seu conteúdo, como um « ordenamento-quadro » e como um « ordenamento-base ». Isso apenas seria impossível, na verdade, se a constituição nada deixasse em aberto, mas se contivesse comandos e proibições a respeito de tudo 39 . Estas críticas são, em certa medida, bem fundadas, na medida em que apontam a inade- quação da distinção entre constituição como « ordenamento-quadro » e como « ordenamento-base » para estabelecer critérios precisos de delimitação da liberdade de conformação do legislador à luz 35 Cf. Dieter Grimm, “Verfassung”, in Die Zukunft der Verfassung , Suhrkamp Verlag, Berlim, 1991, p. 17; idem, “Ursprung und Wandel der Verfassung”, cit. , p. 33; sobre a distinção entre « ordenamento-quadro » e « ordenamento-fundamento » ou « ordenamento- -base », no sentido referido no texto, cf. especialmente E.-W. Böckenförde, “Grundrechte als Grundsatznorm: Zur gegenwärtigen Lage der Grundrechtsdogmatik”, in Staat, Verfassung, Demokratie: Studien zur Verfassungstheorie und zumVerfassungsrecht , 2.ª ed., Suhrkamp, Frankfurt am Main, 1992, pp. 195 e ss.; cf., ainda, Gomes Canotilho, “Rever a Constituição Dirigente ou Romper com a Constituição Dirigente? Em Defesa de um Constitucionalismo Moralmente Reflexivo”, in idem, “Brancosos” e Interconsti- tucionalidade: Itinerários dos Discursos sobre a Historicidade Constitucional , 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, pp. 101 e ss. 36 Cf. E.-W. Böckenförde, “Grundrechte als Grundsatznormen”, cit. , p. 190. 37 Cf., para a exposição e crítica destes diversos entendimentos da ideia de constituição como « ordenamento-quadro », Virgílio Afonso Silva, Grundrechte und gesetzgeberische Spielräume , cit., pp. 71 e ss. 38 Virgílio Afonso Silva, Grundrechte und gesetzgeberische Spielräume , cit., pp. 76-77. 39 Cf. Robert Alexy, “Postcript”, cit. , p. 394.
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