40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa

66 O novo constitucionalismo dirigente 40.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa Colóquio Comemorativo IV. Semelhanças e diferenças entre o primeiro e o segundo constitucionalismo dirigentes É relativamente fácil identificar as semelhanças entre o primeiro e o segundo consti- tucionalismo dirigentes: a redução da margem de liberdade do legislador, encarado como titular dum poder executivo da constituição; a ideia de que a constituição não apenas limita e enquadra, mas antes dirige a ação legislativa; a mesma desconfiança em relação à ideia de democracia, pelo menos se esta se mostrar desacompanhada de vínculos jurídicos. As diferen- ças são, todavia, porventura mais reveladoras. A primeira diferença que cumpre salientar diz respeito àquele que pode designar-se como um problema de paternidade. Gomes Canotilho abjurou, pelo menos parcialmente, a teoria da constituição dirigente e só se pode abjurar aquilo que antes se assumiu ou adotou expressa- mente. Diferentemente, muitas das ideias que anteriormente identifiquei como fazendo parte do segundo constitucionalismo dirigente não são expressamente aceites pelos autores cujas teses são muitas vezes responsabilizadas por tal dirigismo. Esses mesmos autores rejeitam mesmo a acusação de as suas ideias poderem conduzir a qualquer tipo de ativismo judicial. Assim, Luigi Ferrajoli atribui tal consequência ao desenvolvimento do constitucionalismo europeu, obser- vado sobretudo na Alemanha, em termos de princípios morais 33 . Robert Alexy, por seu turno, desenvolveu um conjunto de aspetos relativos à discricionariedade estrutural e epistémica do legislador – esta última associada aos princípios formais respeitantes à democracia e separação de poderes e destinados a contrariar a força expansiva dos princípios materiais relativos aos direitos fundamentais – a serem tidos em conta na fórmula de ponderação, daí retirando as bases que deverão contrariar qualquer impulso ativista do juiz constitucional 34 . Esta primeira diferença explica-se, porventura, com base numa outra que se afigura bem mais importante. É que o primeiro constitucionalismo dirigente tinha na sua base uma filosofia política e social bem marcada, em última análise filiada no pensamento de Marx, e que encarava o Estado como responsável pela condução da sociedade na via da construção do socialismo. Qual é, no entanto, a filosofia política subjacente ao segundo constitucionalismo dirigente? Uma resposta inequívoca a esta questão mostra-se muito mais difícil. Diversos autores têm procurado sustentar a recusa do novo constitucionalismo dirigente na distinção entre as ideias da constituição como « ordenamento-quadro » e como « ordenamen- to-base ». Escapar aos males dirigistas do constitucionalismo envolveria pensar a constituição sempre como « ordenamento-quadro » e nunca como « ordenamento-base ». O que significam, antes de mais, estes conceitos e qual o seu estatuto dogmático? São diversos os sentidos em que os mesmos têm sido utilizados pelos autores. Segundo alguns, a constituição, na medida em que organiza a vida política e do Estado e regula a relação fundamental entre Estado e cidadão, é um « ordenamento-quadro » e, nessa medida, não permite uma determinação unívoca e completa de todas as decisões do legislador, apenas incluindo aspetos determinados, especialmente posições de defesa subjetivas em face do Estado. Pelo contrário, a constituição surge como um « ordenamento-base » quando inclui já todas as possibilidades de balanceamento dos seus princípios na conformação da ordem jurídica. No primeiro caso, o legislador limita-se a respeitar a Constituição; no segundo, é 33  Cf. Luigi Ferrajoli, La Democrazia Attraverso i Diritti , cit., pp. 134 e 241-242. 34  Cf. Robert Alexy, “Postcript”, in ATheory of Constitutional Rights , translation by Julian Rivers, Oxford University Press, Oxford, 2002, pp. 394 e ss.; Virgílio Afonso Silva, Grundrechte und gesetzgeberische Spielräume , Nomos, Baden-Baden, 2003, p. 20.

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