40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
65 Miguel Nogueira de Brito limitar ou restringir aqueles mesmos direitos. Deste modo, « a legislatura é identificada como a antagonista dos direitos constitucionais, mesmo quando procura determinar se a pornografia e a difamação deveriam ser reguladas e se a eutanásia e o aborto deveriam ser proibidos; pois cada instância de regulação ou proibição entra em conflito com os direitos constitucionais à livre expressão e à vida, entendidos como abrangendo todas as questões possíveis relacionadas com a livre expressão e a vida » 28 . Ora, nas palavras de Dieter Grimm a vinculação da política pela consti- tuição nunca pode chegar a ser uma vinculação total, pois isso equivaleria a uma « juridificação total da política equivalente à sua negação » e, em última análise, à sua transformação em mera administração 29 . Há ainda um outro aspeto do novo constitucionalismo dirigente que importa salientar. Trata-se da ideia segundo a qual o novo constitucionalismo dirigente é mais fruto dum pro- cesso evolutivo do que duma vontade deliberada suscetível de ser atribuída a um legislador constituinte. A este propósito é possível estabelecer um paralelo entre os direitos constitucio- nais nacionais e o direito da União Europeia, em que a referida ideia do constitucionalismo como processo evolutivo teve a sua mais acabada confirmação na reduzida relevância, afinal, da rejeição do Tratado Constitucional. O efeito mais imediato das decisões do Tribunal de Justiça que instituíram a supremacia do direito europeu, isto é, as decisões de 1963, no caso Van Gend & Loos v. Países Baixos , e de 1964, no caso Costa v. ENEL , foi o de tornar a imple- mentação das quatro liberdades um assunto de jurisdição mais do que de legislação 30 . Do mesmo modo, poderá dizer-se que o processo de tornar os direitos fundamentais um assunto mais de jurisdição do que de legislação é fruto de algumas decisões judiciais de grande alcance na construção dogmática daqueles direitos, quase todas elas tomadas pelo Tribunal Constitu- cional alemão nos anos cinquenta e sessenta do século passado. Em síntese, o novo constitucionalismo dirigente tem três características distintivas essenciais: (i) por um lado, a ideia de que embora todos os poderes se encontrem igualmente submetidos à constituição, nem todos são aptos a exprimir de igual modo os princípios e valores constitucionais, ou, se se preferir, a ideia de que, precisamente em resultado de a cons- tituição impor vínculos jurídicos a todos os poderes, os tribunais são os órgãos especialmente aptos a julgar o respeito desses vínculos 31 ; (ii) por outro lado, a conceção segundo a qual a constituição atua já não como um limite, mas como um embrião de todas as restantes partes do ordenamento jurídico: nas palavras de Ernst Forsthoff, a constituição contém o « genoma jurídico » que contém o ADN para o desenvolvimento de todo o ordenamento jurídico 32 ; (iii) finalmente, a ideia de que o constitucionalismo – e, desde logo, o próprio dirigismo constitucional – é fruto dum processo evolutivo judicial, mais do que produto duma vontade constituinte deliberada. Para além destes traços, o que aqui importa realçar é a estreita conexão entre o desenvol- vimento do constitucionalismo dirigente e a degradação da política nas sociedades ocidentais. 28 Cf. Grégoire C. N. Webber, The Negotiable Constitution: On the Limitation of Rights , Cambridge University Press, 2009, p. 3. 29 Cf. Dieter Grimm, “Ursprung und Wandel der Verfassung”, in idem, Die Zukunft der Verfassung II , Suhrkamp Verlag, Berlim, 2012, pp. 32-33. 30 Cf. Dieter Grimm, “The Democratic Costs of Constitutionalisation: The European Case”, in European Law Journal , Vol. 21, n.º 4, julho 2015, p. 467. 31 Cf. Luigi Ferrajoli, La Democrazia Attraverso i Diritti , cit., pp. 35, 54 e 236 e ss. 32 Cf. E. Forsthoff, Der Staat der Industriegesellschaft , 2.ª ed., C. H. Beck, Munique, 1971, p. 144.
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