40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
64 O novo constitucionalismo dirigente 40.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa Colóquio Comemorativo relação entre política e direito: como afirma Ferrajoli, « Não é mais o direito a ser subordinado à política enquanto seu instrumento, mas é a política que se torna instrumento de atuação do direito, sujeita aos vínculos que lhe são impostos pelos princípios constitucionais » 23 . Muito haveria certamente a dizer sobre o pensamento político e constitucional de Ferrajoli, mas é interessante notar como uma das suas feições mais marcantes – isto é, a ideia de que a política, mais do que passar a estar subordinada ao direito, se torna um instrumento deste último – é partilhada por muitos que adotam uma conceção da cons- tituição baseada na teoria dos princípios desenvolvida por Robert Alexy. Na verdade, a teoria dos princípios desenvolvida por este último pode ser apropriada para (ou integrada em) uma conceção da constituição que Mattias Kumm designou por constituição total, inspirado na ideia de Estado total de Carl Schmitt. Segundo Kumm, se um Estado total é aquele em que tudo está politicamente em aberto, « a constituição total inverte a relação entre direito e política em aspetos importantes ». Assim, « se num Estado total o direito é concebido como a continuação da política por outros meios, sob a constituição total a política é concebida como a continuação do direito por outros meios. A constituição serve como guia e impõe cons- trangimentos substantivos à resolução de toda e qualquer questão política. A validade de toda e qualquer decisão política fica sujeita ao desafio potencial perante um tribunal constitucional que, a pretexto de aplicar disposições de direito fundamentais, avaliará se uma tal decisão se sustenta em boas razões. O Estado parlamentar legislativo é transformado numa juristocracia constitucional » 24 . Repare-se, uma vez mais, que não está em causa a ideia de que o direito limita o poder, mas a ideia de que o direito fundamenta e dirige o poder. Por outras palavras, a ideia duma juridificação o mais ampla possível das relações entre os indivíduos e das relações destes com o Estado, a partir das disposições constitucionais sobre os direitos fundamentais. Poder-se-á perguntar se um Estado de direito total, assim concebido, não corresponde- rá, afinal, « ao ideal dos juristas, aos quais uma forma de Estado assim dotada da máxima norma- tividade providencia não apenas trabalho e sustento, mas também poder e estatuto » 25 . A questão que aqui me preocupa é, todavia, diversa. Do que se trata é de saber que lugar fica reservado para a política. Repare-se que a crítica que aqui tenho vindo a elaborar não é nova. A mesma tem sido dirigida quer contra a conceção dos direitos fundamentais como princípios 26 , quer contra o modelo garantista do constitucionalismo 27 . O novo dirigismo consiste assim em entender que o sentido dos direitos fundamentais se encontra fixo na constituição, ainda que embrionariamente, e não é, nessa medida, susce- tível de ser desafiado ou completado pelo processo político, que apenas atua no sentido de 23 Cf. Luigi Ferrajoli, Poteri Selvaggi: La Crisi della Democrazia Italiana , Editori Laterza, Roma-Bari, 2011, pp. 10-11. 24 Cf. Mattias Kumm, “Who Is Afraid of the Total Constitution?”, in Agustín José Menéndez e Erik Oddvar Eriksen (orgs.), Arguing Fundamental Rights , Springer, Dordrecht, 2006, p. 114 (=“Who is Afraid of the Total Constitution? Constitutional Rights as Principles and the Constitutionalization of Private Law”, in German Law Journal , Vol. 7, n.º 4, 2006, p. 343). 25 Cf. Karl August Bettermann, Der totale Rechtsstaat , Vandenhoeck & Ruprecht, Hamburgo, 1986, p. 12. 26 Cf. E.-W. Böckenförde, “Grundrechte als Grundsatznorm: Zur gegenwärtigen Lage der Grundrechtsdogmatik”, in Staat, Verfassung, Demokratie: Studien zur Verfassungstheorie und zum Verfassungsrecht , 2.ª ed., Suhrkamp, Frankfurt am Main, 1992, p. 185. 27 Cf. Luigi Ferrajoli e Juan Ruiz Manero, Dos Modelos de Constitucionalismo: Una Conversación , Editorial Trotta, Madrid, 2012, pp. 81 e 91; Ermano Vitale, “¿Teoría General del Derecho o Fundación de una República òtima? Cinco Dudas sobre la Teoría de los Derechos Fundamentales de Luigi Ferrajoli”, in Antonio de Cabo e Gerardo Pisarello (orgs.), Los Fundamen- tos de los Derechos Fundamentales , 4.ª ed., Editorial Trotta, Madrid, 2009, p. 71.
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