40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa

62 O novo constitucionalismo dirigente 40.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa Colóquio Comemorativo abandonar o princípio da proibição do retrocesso social, o Tribunal expressamente reconheceu a sua difícil compatibilização com o princípio democrático, indo assim diretamente ao núcleo do problema. Nas palavras do Tribunal, « a proibição do retrocesso social apenas pode funcionar em casos-limite, uma vez que, desde logo, o princípio da alternância democrática, sob pena de se lhe reco- nhecer uma subsistência meramente formal, inculca a revisibilidade das opções político-legislativas, ainda quando estas assumam o carácter de opções legislativas fundamentais ». III. O segundo constitucionalismo dirigente Se é relativamente fácil, ao menos em Portugal, identificar a paternidade do primeiro constitucionalismo dirigente, nos termos expostos, essa tarefa apresenta-se muito mais difícil em relação ao constitucionalismo dirigente que verdadeiramente pretendo aqui expor e ana- lisar. Julgo que esse segundo constitucionalismo dirigente não pode ser reconduzido a uma matriz única, embora as suas manifestações surjam muitas vezes confundidas nesse verdadeiro pântano doutrinal designado « neoconstitucionalismo ». Na sua origem está um fenómeno fácil de identificar, e cujos perigos foram identificados por Kelsen muito antes da sua difusão, que consiste simplesmente na crescente inclusão de escolhas ético-políticas nas constituições do segundo pós-guerra. Na filosofia e na teoria do direito, este fenómeno deu origem ao recrudescimento dos debates entre positivismo e jusnaturalismo (ou anti-positivismo, na medida em que o concei- to de direito natural seja identificado com as suas conceções mais clássicas) e, no âmbito do primeiro, entre positivismo inclusivo ou exclusivo. No domínio específico do direito consti- tucional, duas grandes referências teóricas são, sem dúvida, o constitucionalismo garantista desenvolvido por Luigi Ferrajoli e a teoria de Robert Alexy relativa às normas de direitos fundamentais como princípios e regras. Não cabe certamente nos limites desta exposição apresentar, mesmo de forma incipien- te e introdutória, as duas teorias mencionadas, mas apenas explicitar em que medida estas teorias, ao procurarem acomodar a introdução de normas com evidente conteúdo ético nas constituições, dão azo ao fenómeno do constitucionalismo dirigente, ou pelo menos suscitam a crítica de que facilitam este mesmo fenómeno. Vejamos, antes de mais, a teoria do constitucionalismo garantista. Esta última assume- -se como surgindo em rutura quer com o velho paradigma juspositivista do estado legislativo, em que o poder legislativo se encontrava desprovido de vínculos jurídicos substantivos, quer com a pretensa superação do positivismo jurídico em sentido jusnaturalista ou ético-objetivo. Com esta última, na medida em que se assume como estritamente positivista, isto é, aceitan- do um modelo de direito que reconhece como jurídicas quaisquer normas produzidas por quem está habilitado a fazê-lo, independentemente do respetivo conteúdo e da sua eventual injustiça. O constitucionalismo garantista apresenta-se também em rutura com a primeira conceção, na medida em que sustenta a normatividade forte do paradigma constitucional, configurado como « um sistema de garantias, isto é, de limites e vínculos jurídicos impostos ao exercício de qualquer poder enquanto condição da sua legitimidade » 15 . 15  Cf. Luigi Ferrajoli, La Democrazia Attraverso i Diritti: Il Costituzionalismo Garantista come Modello Teorico e come Progetto Politico , Editori Laterza, Roma-Bari, 2013, p. 12.

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