40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa

61 Miguel Nogueira de Brito níveis de formulação, desde as cláusulas de socialidade, passando pelas normas definidoras das tarefas do Estado, até chegar às imposições constitucionais concretas. Por último, a dimensão igualitária, nos termos da qual se deveria ter por inadmissível uma concretização legal excluindo arbitrariamente determinados cidadãos das prestações legalmente reconhecidas 8 . Segundo Gomes Canotilho, o « bloco constitucional dirigente » não visa apenas « constituir um limite à direção política. A sua função primordial é bem outra: fornecer um impulso diretivo material permanente e consagrar uma “exigência” de atuação». Por outras palavras, a vincula- ção jurídico-constitucional não é apenas uma vinculação através de limites, mas dos próprios fundamentos da ação política 9 . Transcorrida uma década, a tese do constitucionalismo dirigente veio a ser objeto de crítica pelo seu próprio autor, num texto de 1994 com o título sugestivo de “Rever a Cons- tituição Dirigente ou Romper com a Constituição Dirigente?”. Vale a pena aqui percorrer algumas dessas críticas: (i) a crítica da filosofia do sujeito e da teoria da sociedade subjacentes ao programa constitucional dirigente, que encaram a Constituição como « o caminho de ferro social e espiritual através do qual vai peregrinar a subjetividade projetante» 10 ; (ii) a crítica da construção do Estado como « “homem de direção” exclusiva (ou quase exclusiva) da sociedade » e a conversão do direito « em instrumento funcional dessa direção », privilegiando um modelo regulativo autoritário e intervencionista em detrimento de muitos outros modelos possíveis, desde o modelo da subsidiariedade aos modelos neocorporativos 11 ; (iii) a crítica, finalmente, do autismo nacionalista e patriótico do constitucionalismo dirigente, assente no dogma do Estado-soberano e fechado à internacionalização do constitucionalismo 12 . Uma consequência prática relevante desta reorientação doutrinal é uma maior cons- ciência da necessidade de preservar uma distinção entre o catálogo constitucional dos direi- tos sociais e a sua saturação com « imposições constitucionais tendencialmente conformadoras de políticas públicas de direitos económicos, sociais e culturais ». Assim, aceitar como indiscutível a consagração dum direito constitucional de acesso a todos os graus de ensino não equivaleria a aceitar também « plasmar, na constituição, a “gratuidade” do acesso a todos os graus de ensino, não só porque isso pode rigidificar demasiadamente a política pública de ensino, mas também porque pode lançar a constituição nas querelas dos “limites do estado social” e da “ingovernabilidade” » 13 . Todavia, o rasto mais marcante do constitucionalismo dirigente foi-nos dado, sem dúvi- da, pelo percurso do princípio da proibição do retrocesso social na jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não cabe aqui agora recensear esse percurso 14 , mas apenas registar o seu início, através do Acórdão n.º 39/84, que com base nele – e com referência expressa ao pensamento de Gomes Canotilho – considerou inconstitucional a extinção do Serviço Nacional de Saúde, e o seu fim, proclamado pelo Acórdão n.º 509/02, sobre o rendimento de inserção social. Ao 8  Cf. Constituição Dirigente… , cit., p. 374. 9  Cf. Constituição Dirigente… , cit., p. 464. 10  Cf. “Rever a Constituição Dirigente ou Romper com a Constituição Dirigente? Defesa dum Constitucionalismo Moral- mente Reflexivo”, in J. J. Gomes Canotilho, “Brancosos” e Interconstitucionalidade: Itinerários dos Discursos sobre a Historici- dade Constitucional , 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, p. 106. 11  Cf. “Rever a Constituição Dirigente ou Romper com a Constituição Dirigente?”, cit., p. 107. 12  Cf. “Rever a Constituição Dirigente ou Romper com a Constituição Dirigente?”, cit., p. 109. 13  Cf. “Rever a Constituição Dirigente ou Romper com a Constituição Dirigente?”, cit., pp. 124-125. 14  Cf. Miguel Nogueira de Brito, “O Ordenamento Constitucional Português e a Garantia de um Nível Mínimo de Subsis- tência”, in AA. VV., Estudos em Homenagem do Conselheiro Artur Maurício, Coimbra Editora , 2014, pp. 1097 e ss.

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