40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa

60 O novo constitucionalismo dirigente 40.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa Colóquio Comemorativo sociedade a realizar pelos homens. Do que se tratava era, pois, de assumir a realidade como tarefa da constituição 1 . Embora não abundem referências explícitas à obra de Marx na dissertação de Gomes Canotilho 2 , é impossível não encontrar nesta abordagem ecos do ideal de emancipação humana que Marx contrapunha à mera emancipação política. Segundo Marx, é preciso que « não nos iludamos acerca dos limites da emancipação política. A cisão do homem no homem público e no homem privado , o deslocamento da religião do Estado para a sociedade civil, não são um estádio, são o complemento da emancipação política que, portanto, precisamente, tão pouco suprime quanto se esforça por suprimir a religiosidade real do homem » 3 . Pelo contrário, a emancipação humana é apenas tornada possível pela identificação da vida privada com a vida pública. Segundo Marx, « só quando o homem individual real retoma em si o cidadão abstrato e, como homem individual – na sua vida empírica, no seu trabalho individual, nas suas relações individuais –, se tornou ser genérico ; só quando o homem reconheceu e organizou as suas “forces propres”, como forças sociais , e, portanto, já não separa de si a força social na figura da força política – é só então que está consumada a eman- cipação humana » 4 . É este projeto radical de emancipação total do homem que encontramos também na base da teoria do constitucionalismo dirigente, ao pressupor um sujeito « decidente » que « coloca a realidade existente à sua disposição e decide sobre a sua “constituição verdadeira” » 5 . No plano dogmático, a tese do constitucionalismo dirigente procura questionar as ideias de discricionariedade legislativa e de liberdade de conformação do legislador à luz da ideia de vinculação deste último, assente no pressuposto indiscutível de que num Estado de direito todos os poderes e funções do Estado estão juridicamente vinculados às normas da constituição 6 . Não se trata, todavia, duma vinculação através da imposição de limites, mas da atribuição de tarefas. O problema situa-se, com efeito, não quanto à admissão da ideia de vinculação do legislador, em si mesma, mas quanto ao modo da sua concretização, a propósi- to da análise do efeito dirigente ou diretivo em face da necessária « diferenciação da “densidade normativa” dos preceitos de uma lei fundamental » 7 . Na realidade, para além da densidade das normas constitucionais a ditar a intensidade da vinculação do legislador, importaria considerar outros fatores. Estando em causa a concretização dos preceitos relativos aos direitos económicos, sociais e culturais, Gomes Canotilho salientava aí a necessidade de atentar em três dimensões. Em primeiro lugar, a dimensão subjetiva, salien- tando a consagração dos direitos em causa como verdadeiros direitos fundamentais, em vez de direito objetivo expresso através de normas programáticas, bem como a radicação subjetiva desses mesmos direitos através da respetiva concretização por lei ou ato administrativo, dando origem aos «direitos derivados a prestações (assistência social, subsídio de desemprego, etc.) que jus- tificam o direito de judicialmente ser reclamada a manutenção do nível de realização e de se proibir qualquer tentativa de retrocesso social ». Em segundo lugar, a dimensão programática, com vários 1  Cf. J. J. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: Contributo para a Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas , Coimbra Editora, 1982, pp. 70-71. 2  Sem prejuízo de algumas referências oblíquas: cf. Constituição Dirigente… , cit., p. 50. 3  Cf. K. Marx, Para a Questão Judaica , introdução e tradução de José Barata-Moura, Edições «Avante!», Lisboa, 1997, p. 77. 4  Cf. Karl Marx, Para a Questão Judaica , cit., pp. 90-91; Leszek Kołakowski, Main Currents of Marxism: The Founders –The Golden Age – The Breakdown , traduzido do polaco por P. S. Falla, W. W. Norton & Company, Nova Iorque, 2005 (1978), pp. 104-105. 5  Cf. Constituição Dirigente… , cit., p. 70. 6  Cf. Constituição Dirigente… , cit., p. 248. 7  Cf. Constituição Dirigente… , cit., p. 250.

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