40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
46 O lugar da Constituição no século XXI 40.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa Colóquio Comemorativo A função das constituições nacionais enquanto filtro para a formação do direito primário torna-se particularmente evidente nos Estados cujos tribunais constitucionais ou tribunais supremos com competência constitucional tenham o poder de fiscalizar a conformidade de tratados internacionais com a sua constituição nacional. Em Portugal, tal é permitido pelo artigo 278.º da Constituição. Não foi apenas na Alemanha que o estabelecimento do direito primário europeu – como os Tratados de Maastricht ou de Lisboa – dependeu de múltiplas fiscalizações de conformidade com a Constituição nacional. A influência das constituições nacionais não termina, porém, com a aprovação e ratifi- cação do direito primário da UE. Continua, de forma atenuada, na criação do direito comu- nitário secundário, pelo motivo de o direito primário atribuir aos Estados-Membros o papel central no procedimento legislativo comunitário. A especificidade da UE enquanto confede- ração de Estados fica patente no facto de o órgão legislativo principal não ser o Parlamento Europeu – eleito pelos cidadãos europeus –, mas sim o Conselho – formado pelos Governos dos Estados-Membros. É certo que o Conselho já não é o único legislador. Os direitos de codecisão do Parlamento têm vindo a ser paulatinamente alargados. Contudo, o Parlamento só pode reagir perante decisões do Conselho, sem poder ele próprio assumir a liderança. Em qualquer caso, a criação de direito secundário difere muito da criação do direito primário. Este tem origem na celebração de tratados, em conformidade com as regras do direito internacional, enquanto o direito secundário resulta de resoluções tomadas em con- formidade com as regras do direito primário. O Conselho que aprova resoluções não é uma conferência de Estados, mas sim um órgão comunitário. Exerce competências que foram transferidas para a Comunidade, não estando vinculado pelas constituições nacionais. Ao contrário de todos os outros órgãos comunitários, porém, o Conselho é composto por mem- bros de um órgão estadual nacional, os governos dos Estados-Membros. Esta configuração permite aos membros do Conselho fazer valer os interesses nacionais durante o processo legislativo e, desta maneira, as exigências da Constituição nacional. Na medida em que a tal estejam obrigados pelas suas respetivas constituições, estas adquirem uma influência mediata na legislação europeia. Não obstante, o respeito pela Constituição nacional só é completamente garantido nos casos em que os tratados prevejam a unanimidade no Conselho para a aprovação de legislação comunitária. Neste domínio, pode-se falar de uma vinculação mais intensa dos Governos às suas constituições. A exigência de unanimidade prende-se com o reconhecimento de que os interesses de cada Estado-Membro têm uma importância tal que este os pode impor a todos os outros, ainda que, naturalmente, apenas de forma negativa: pode ser impedida a criação de direito comunitário incompatível com a Constituição nacional, mas não pode ser imposta a aprovação de direito comunitário por exigências dessa mesma Constituição. A flexibilidade e a capacidade de estabelecer compromissos, necessárias para influenciar decisões tomadas por maioria, não justificam, neste caso, um enfraquecimento do vínculo constitucional. As constituições nacionais são determinantes para a transferência de competências legislativas para a UE. Podem, além do mais, influenciar indiretamente o exercício dessas competências legislativas pelo Conselho. Contudo, uma vez estabelecido, o direito comuni- tário é aplicável independentemente das constituições nacionais. Com isto não se disse ainda, porém, como o direito comunitário e as constituições nacionais se relacionam em caso de conflito. Esta questão foi decidida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia nos seminais acórdãos Van Gend & Loos e Costa c. ENEL, de 1963 e 1964, em favor do direito comunitário
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