40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa

45 Dieter Grimm enquanto este último estiver em vigor. Embora a UE não disponha de meios de coerção física, a verdade é que, no âmbito abrangido pelo direito comunitário, os Estados Membros deixam de poder agir com autonomia. Mesmo quanto às alterações às suas constituições deixaram os Estados-Membros de dispor de uma liberdade total. Com efeito, se é possível que normas constitucionais não possam ser aplicadas por violarem o direito europeu, o mesmo vale para os novos preceitos a introduzir na Constituição. Nenhum Estado pode libertar-se das suas obrigações perante a UE através de uma alteração da sua Constituição. Não pode, igualmente, opor-se aos valores fundamentais da UE. Nada de diferente sucede se um Estado-Membro da UE se propuser aprovar uma Constituição completamente nova. O próprio pouvoir constituant nacional só volta a ganhar uma liberdade plena no caso de o Estado sair da UE. Por outro lado, a UE não obteve ainda a faculdade de estabelecer ela própria a sua base jurídica. Esta consta de tratados de direito internacional, que os Estados-Membros unanime- mente aprovaram. Os tratados não são apenas o modo de estabelecimento da base jurídica: esta permanece dentro do âmbito decisório dos Estados-Membros. Para que seja alterada, é necessário que todos, sem exceção, celebrem um novo tratado. Os Estados-Membros são, como se costuma dizer, os "Senhores dos Tratados". Significa isto que os Estados-Membros decidem autonomamente não só quais são os poderes soberanos que cedem à UE, como também o modo como esta os deverá exercer. A UE não decide que poderes soberanos dos Estados-Membros lhe são transmitidos. São os Estados-Membros que dispõem da competên- cia sobre a competência. No que diz respeito à sua base jurídica, a UE é heterodeterminada. No que se refere à relevância das constituições nacionais, o facto de a base jurídica da UE não ser estabelecida por ela própria, mas sim pelos Estados-Membros, tem um peso conside- rável, conferindo às constituições dos Estados-Membros influência sobre o direito primário da UE. É que, na celebração e ratificação dos tratados, os Estados-Membros são obrigados a obser- var o disposto nas suas constituições. Por um lado, as normas procedimentais das constituições nacionais podem influenciar o resultado final. Foi assim que, em França e nos Países Baixos, o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, que, com toda a probabilidade, teria sido aprovado pelos parlamentos destes Estados, foi chumbado nos respetivos referendos. Por outro lado, as disposições constitucionais materiais podem ganhar importância na medida em que se oponham à ratificação de tratados em desacordo com as mesmas. Deste modo, as cons- tituições nacionais formam um filtro para o direito primário europeu. Em todo o caso, este efeito de filtro não consegue impedir todos os desvios às consti- tuições nacionais provocados pelo exercício de poderes de soberania por parte de instituições supranacionais como a UE. Um Estado que fizesse tal exigência tornar-se-ia incapaz de par- ticipar em instituições supranacionais. Conforme decidiu o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha no caso Eurocontrol, cada transferência de poderes de soberania tem como con- sequência uma alteração da ordenação de competências constitucionalmente estabelecida, constituindo materialmente uma revisão da Constituição não visível no texto constitucional. Por esta razão, muitas disposições das constituições nacionais tiveram, de facto, que ceder perante o direito europeu. Uma mera consulta da Constituição nacional já não permite obter uma imagem verdadeira da situação constitucional de um país. Para este efeito, é ainda neces- sário consultar o direito europeu. Aquilo que o filtro deixa passar ou que retém depende das disposições constitucionais de cada Estado-Membro, no caso de Portugal, portanto, dos artigos 7.º, 8.º e 15.º da CRP.

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