40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
43 Dieter Grimm validade universal, a Constituição realizava-se de forma particular. Era uma Constituição do Estado e como tal vivia da clara distinção entre o interior e o exterior. Nenhuma Constitui- ção submetia o poder do seu próprio Estado a um domínio estrangeiro ou reconhecia efeitos vinculativos, no espaço em que era aplicável, a atos de um poder estrangeiro. Acima dos Esta- dos não existia qualquer poder público. Existia somente a autovinculação dos Estados, que, devido ao seu caráter voluntário, deixava incólume o seu direito de autodeterminação, não podendo, além do mais, ser imposta por nenhuma instância superior. Feito este enquadramento, podemos agora questionar de forma mais precisa o lugar da Constituição no século XXI. Se a identificação do poder público com o poder do Estado era o pré-requisito para a efetivação da pretensão de validade global da Constituição, então devemos procurar aí o ponto da rotura, caso o lugar da Constituição se altere. Tais mudanças, de facto, começaram a verificar-se após a II Guerra Mundial, tendo sucedido a um ritmo mais acelerado após a viragem mundial histórica de 1989/90. Consistem no facto de os Estados, numa primeira fase com a finalidade de assegurar a paz, depois também por outras razões, terem vindo a constituir entidades supranacionais que – ao invés das alianças e uniões tradi- cionais – não só coordenam as atividades estatais, como também possuem os seus próprios poderes de soberania para a realização das metas comuns, poderes que podem exercer com efeitos sobre os Estados e a que estes não se podem opor. A formação de um poder soberano supranacional começara, desde logo, com a funda- ção das Nações Unidas em 1945. Os Estados-Membros das Nações Unidas não renunciaram apenas ao seu direito de resolver os seus diferendos através do recurso às armas, com a exceção da autodefesa. Atribuíram igualmente às Nações Unidas o poder de, em casos de violação, impor esta renúncia ao uso da força armada, se necessário, através de meios militares, mas também de meios civis, como, por exemplo, processos judiciais. Desta forma, as Nações Uni- das adquiriram uma parte do poder público. A identificação do poder público com o poder do Estado começou a dissolver-se. As fronteiras nacionais tornaram-se permeáveis aos atos do poder público internacional. A estrita separação entre interior e exterior, da qual dependia a efetivação da pretensão de regulação global da Constituição, deixou de existir. Desde então, o direito internacional encontra-se numa mudança profunda. Durante trezentos anos, tivera na sua base a soberania dos Estados. Um poder que estivesse acima dos Estados não seria compatível com o mesmo. Nestas circunstâncias, o direito internacional só podia nascer de um acordo voluntário entre os Estados. Ou era direito contratual ou consue- tudinário. Na verdade, o direito internacional conhecia uma única proposição obrigatória, sem a qual o sistema de autocoordenação não se aguentaria: pacta sunt servanda. E mesmo este imperativo não podia ser imposto de forma coerciva. Tal como não havia um legislador supranacional, não havia, do mesmo modo, órgãos executivos supraestaduais. A soberania impedia que o direito internacional penetrasse através das fronteiras nacionais. No que se referia às situações internas de cada Estado, o direito internacional era cego. Hoje em dia, às Nações Unidas é igualmente reconhecido o direito de intervenção humanitária, nas situações em que um Estado viole os direitos humanos fundamentais da sua população ou de grupos específicos dela. Começa, assim, a formar-se uma responsibility to protect. O direito internacional já não para nas fronteiras nacionais. O Conselho de Segu- rança reivindica poderes normativos. Foi através de resoluções deste órgão, e não, na verdade, de um tratado entre os Estados-Membros, que foram constituídos os tribunais penais ad hoc para a antiga Jugoslávia e para o Ruanda, sem necessidade do consentimento dos Estados em
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