40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
42 O lugar da Constituição no século XXI 40.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa Colóquio Comemorativo legítimo, não podia provir dos regentes. A sua fonte tinha de ser prévia. Ora, apenas o povo podia cumprir este papel. O princípio legitimador da Constituição moderna é a sobera- nia popular. Como consequência, passou a distinguir-se entre pouvoir constituant e pouvoir constitué. O direito subdividiu-se em duas partes, uma que emanava do povo e vinculava os governantes – direito constitucional –, e outra que emanava dos governantes e vinculava os cidadãos – direito legal. O primeiro regulava a criação e aplicação do segundo, pelo que tinha necessariamente de o preceder hierarquicamente. Ambas as proposições, a distinção entre a Constituição e as restantes leis e a primazia da primeira, são constitutivas da Constituição moderna. Delas depende a sua eficácia. A Constituição é, assim, uma forma especialmente ambiciosa de juridificação do poder político. Constitucionalização não é, portanto, o mesmo que juridificação. A diferença entre as duas faz com que a Constituição seja uma conquista evolutiva, excluindo toda a forma de domínio absoluto ou arbitrário de umas pessoas sobre outras. Ao submeter os atos de poder a regras jurídicas, torna o exercício do poder público previsível para os cidadãos. Para os possui- dores de diferentes convicções e interesses constitui uma base de consenso mútuo, a partir da qual podem discutir as suas diferenças de forma civilizada. São ainda facilitadas as mudanças pacíficas no poder, pois os vencidos não têm que temer nenhum tipo de repressão, permane- cendo como alternativa à respetiva maioria. O que a Constituição regulou deixa de integrar o âmbito decisório da maioria. No final de contas, a Constituição dispensa a política de uma discussão permanente sobre as premissas, incluindo-as, desde logo, no seu seio. As pretensões do constitucionalismo estavam já definidas nas primeiras constituições. Tal não garantia, evidentemente, que todas as constituições que se seguiriam igualmente as adotassem. Uma vez criada a Constituição moderna, tornava-se possível copiar a sua forma sem assumir o seu conteúdo. Na verdade, existem constituições na origem das quais não está, logo de antemão, nenhuma vontade séria de vincular a política. Existem igualmente cons- tituições que, em caso de conflito com a política, saem sempre perdedoras. Existem ainda constituições que não abrangem a própria prerrogativa do poder, limitando-se a regular num ou noutro aspeto os poderes constituídos previamente à Constituição. Da existência de tais exemplares imperfeitos, porém, não se pode concluir que a Constituição no seu sentido pleno seja meramente um tipo ideal, do qual nos podemos aproximar apenas mais ou menos. A conformação do poder sob a forma de uma Constituição só passou a ser concebível depois de existir um objeto que permitisse um tratamento jurídico coeso e abrangente por parte de uma lei específica para a política. Era isso que faltava na Idade Média. Esta não conhecia o poder político, mas apenas direitos dominiais individuais, respeitantes a pessoas e não a territórios, repartidos entre muitos titulares, independentes uns dos outros, e exercidos não enquanto função autónoma, mas como prerrogativa associada a um determinado estatu- to. A comunidade medieval não teve uma Constituição no sentido moderno da palavra, nem a podia ter tido. Apenas a concentração dos direitos dominiais dispersos e a sua agregação num poder público unitário que fosse aplicado num território delimitado, poder que se estava a formar desde o final do século XVI e que rapidamente foi concebido como “Estado”, criou as condições para um quadro ordenador como o da Constituição. Deste modo, o poder do Estado era, ao contrário do poder pré-moderno, abrangente no seu objeto, mas limitado territorialmente. No seu interior, cada Estado reclamava para si o monopólio do poder público legítimo, mas deparava-se além da fronteira com outros Estados que, em relação aos seus territórios, tinham a mesma pretensão. Apesar de reivindicar uma
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