40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa

41 Dieter Grimm organização e limitação da conduta humana que o direito desenvolve de forma mais intensa o seu potencial regulatório. Constituía, por isso, o meio adequado para alcançar as metas da revolução. À obra destrutiva da revolução seguiu-se, assim, a obra construtiva do estabeleci- mento de um novo direito. O contributo dos revolucionários para o novo regime não foi o desenvolvimento dos princípios jusnaturalistas de legitimação do poder, mas sim a sua trans- posição da filosofia para o direito positivo. Para este novo direito respeitante ao poder político nasceu, desde logo, o termo “Cons- tituição”, que, passando a designar um novo objeto, mudou também o seu sentido. Se até então “Constituição” fora um conceito descritivo, que se referia à situação política de um país, tal como esta era determinada por diversos fatores, incluindo o seu ordenamento jurídi- co, os seus elementos descritivos foram então eliminados e o conceito passou a ser prescritivo. A Constituição moderna é uma Constituição normativa. Não descreve a realidade, faz-lhe exigências. Em todo o caso, o conceito empírico de Constituição não desapareceu; regressou nas vestes da realidade constitucional, distinta da Constituição normativa, e que põe em rele- vo a existência de condicionantes extrajurídicas à Constituição jurídica. O resultado das revoluções foi, assim, uma juridificação do poder público. Nas coló- nias norte-americanas, onde vigorava o direito inglês, segundo o qual o poder executivo já se encontrava submetido ao direito, consistiu esta juridificação na extensão dessa submissão ao poder público na sua totalidade, incluindo o Parlamento; em França, onde vigorava um regi- me absolutista, tratava-se ainda de instituir o Estado de direito. De facto, a juridificação do poder público é muitas vezes apresentada como constituindo ummérito da Constituição, mas com isso não se caracteriza suficientemente a Constituição moderna, uma vez que já antes da Constituição existia um direito que vinculava o poder público. Mesmo o Estado absolutista não era tão absolutista como pretendia. Subsistiam da Idade Média diversas limitações juridi- camente vinculativas, e novas foram obtidas a pulso pelas diferentes ordens sociais. O que acrescentou então a Constituição? Os anteriores limites ao poder não diziam res- peito à própria prerrogativa de governar. Já pressupunham o direito do governante a governar. O governante recebia a sua legitimação não do direito positivo, mas de fontes suprapositi- vas. Os vínculos jurídicos anteriormente estabelecidos apenas diziam respeito à execução do poder, o qual se legitimava por si próprio. Conformavam o poder estabelecido. Resultavam tipicamente de contratos entre o governante e as ordens sociais, e como tais podiam conside- rar-se autovinculações do regente. Produziam efeitos meramente pontuais, abrangiam apenas certos poderes, e, devido à sua natureza contratual, não valiam para todas as pessoas, mas somente para as partes contratantes. Todas estas três características das antigas limitações ao poder foram abandonadas pela Constituição moderna. Esta já não se limitava a conformar um poder que se legitimava por si só, sendo ela própria a gerar o poder legítimo. Era, portanto, constitutiva do poder. Regulava não apenas o exercício, mas também o próprio estabelecimento do poder. Fazia-o, além do mais, de forma plena e não meramente parcial. Plena significa que no Estado constitucional não podia haver titulares do poder anteriores ou fora do direito, e que o governante apenas podia exercer a sua autoridade nos moldes da Constituição e através dos meios que esta dispo- nibilizava. Afinal, as limitações jurídicas ao poder do Estado não valiam apenas em benefício de certas ordens sociais privilegiadas, mas de todos as pessoas submetidas ao poder. Para que a Constituição pudesse cumprir as suas funções, tinha de possuir alguns atributos adicionais que assegurassem tal desempenho. Uma vez que só ela gerava o poder

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