40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa

40 O lugar da Constituição no século XXI 40.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa Colóquio Comemorativo a sua soberania perante aquelas. Esta evolução não pode deixar de produzir as suas marcas numa Constituição que nasceu enquanto Constituição do Estado. Para aferir a envergadura desta mudança, é necessário um termo de comparação, que melhor se obterá se tomarmos em consideração as pretensões que inicialmente animavam a Constituição. A Constituição moderna foi o produto de duas revoluções bem sucedidas contra regimes de matriz tradicional, no final do século XVIII, na América do Norte e em França. Estas duas revoluções diferenciam-se das muitas rebeliões e revoltas da história pelo facto de não se terem contentado com a substituição de um governante impopular por outro. Visavam antes o estabelecimento de um novo sistema político, que evitasse os defeitos do anterior. Para o conseguir, gizaram um programa de legitimação do poder, previamente a, com base nele, alguma pessoa ser chamada a governar e a exercer o poder de acordo com as condições aí estabelecidas. A este programa subjaziam dois pressupostos, que formavam o fundamento da nova ordem. Por um lado, os revolucionários partiam do princípio de que o domínio de pessoas sobre outras pessoas só podia ser justificado através do consentimento dos próprios subme- tidos ao poder. Para eles, o poder político não encontrava o seu fundamento nem no direito divino, nem enquanto direito próprio do regente, nem tão pouco na visão iluminada de uns poucos acerca do bem comum ou na mera circunstância de se possuir o poder. Tinha que ter a sua razão no povo. Por outro lado, nutriam a convicção de que todo o indivíduo possuía direitos inatos e inalienáveis, cuja garantia era a finalidade do Estado. Era esta finalidade que ao mesmo tempo legitimava e limitava o poder público. O poder ilimitado era visto como injustificável. Os princípios em si não foram nenhuma invenção dos revolucionários. Já muito antes tinham tomado forma na teoria iluminista do direito natural. Este, pese embora o nome, não era direito. Era um sistema filosófico que antes das revoluções em parte alguma fora reconhecido juridicamente. Somente depois de os colonos americanos e a burguesia francesa terem constata- do que as suas metas reformistas – autodeterminação na América do Norte, uma ordem social liberal em França – não podiam ser conseguidas pela via revolucionária, procuraram abrigo nos princípios do direito natural, de modo a justificar a rutura com o antigo regime e a fundar o novo. Se antes das revoluções apenas serviam enquanto forma de testar a legitimidade dos siste- mas políticos, passaram no período revolucionário a nortear a sua atuação. Do elevado grau de abstração destes princípios não resultava ainda, naturalmente, nenhu- ma ordem política. Para isso, tinham de ser transpostos em mandamentos exequíveis. Ora, o problema de fundo da soberania popular reside na circunstância de o povo, pese embora ser a fonte de todo o poder público, não o poder ele próprio exercer. O poder democrático é, necessa- riamente, um poder delegado. Essa delegação de poder tem, em conformidade, de ser estabele- cida, e devem ser formuladas as condições do seu exercício. Para garantir a liberdade individual, há também que determinar os limites a que se encontra sujeito o poder público. Têm de ser estabelecidos os direitos do indivíduo. Uma vez que estes podem entrar em conflito uns com os outros, devem as suas fronteiras ser delimitadas e, já que não se impõem por si próprios, é necessário tomar providências para que sejam respeitados pelos governantes. As regras que deveriam produzir este efeito tinham que ser vinculativas para os gover- nantes. Tendia-se, portanto, para uma juridificação. Só o direito podia tornar as regras vincu- lativas e exequíveis, desvinculando-as do momento histórico da sua aprovação e das pessoas intervenientes no procedimento respetivo, e estabelecendo-as para perdurar no tempo. É na

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