40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
13 Joaquim de Sousa Ribeiro do direito de asilo e de proteção internacional e da liberdade de circulação das pessoas. Pode dizer-se que a vocação universal dos direitos humanos ficou esquecida, em certos casos, na estéril proclamação dos textos, precisamente no momento em que mais premente se tornou a sua concretização na esfera da vida real. Programas constitucionais inclusivos não obstaram à implantação de fronteiras entre “nós” e os “outros” – os “outros” mais necessitados de prote- ção, porque desprovidos de quase tudo o que faz a humanidade dos homens… Por outro lado, no momento histórico em que vivemos fazem-se sentir acrescidas razões de segurança – ela própria um direito fundamental e condição da liberdade. São, assim, com- preensivelmente fortes as pressões para novas medidas de prevenção e de reação: as primeiras em fase cada vez mais prematura e de alcance mais geral; as segundas cada vez mais penaliza- doras. E se a eventual composição de novos equilíbrios, de novas soluções de harmonização com direitos de liberdade em oposição, deve ser o resultado de uma ponderação serena, sem ceder à tentação de uma deriva securitária, tal é dificultado pela emotividade gerada pelas dramáticas concretizações de risco a que nos últimos anos temos assistido. Como se vê, as constituições estão hoje colocadas “sob stress ”, como recentemente escreveu Gomes Canotilho. Sofrem tensões e os efeitos erosivos de múltiplos fatores. E no entanto, se assim é, não deixa de se poder sustentar, quase paradoxalmente, que em épocas de crise mais se faz sentir a necessidade de limitação do poder e de mediação, por critérios jurídicos, dos conflitos sociais. Tem sido esse o papel histórico do constitucionalismo tal como o conhecemos e não se vê que esteja para já a sua superação, por modelos alternativos doutrinariamente propostos. Nomeadamente quando se trata de distribuir sacrifícios, afetando posições subjetivas tuteladas e já concretizadas, como é da nossa experiência recente, torna-se imperioso, mais do que nunca, que tal se faça com observância efetiva dos princípios supremos da ordem jurídica consagrados na Constituição. O controlo da atividade legislativa neste campo tem confrontado alguns tribunais cons- titucionais – entre os quais, como é bem sabido, o português – com questões de alta proble- maticidade e de grande sensibilidade política, em que se fazem sentir exigências antitéticas. Nesse desempenho, é-lhes certamente requerida uma valoração contextualizada, com atribui- ção do devido peso de ponderação à natureza, objetivos e período de vigência da legislação em causa. Mas não se lhes pode pedir que suprimam do seu vocabulário jurídico os padrões constitucionais a que estão vinculados e que devem fazer respeitar. Entre o risco de extravasar os limites dos seus poderes funcionais e o risco, não menor, de uma atitude demissionista do seu exercício, só uma autoperceção consolidada e firme do seu papel institucional pode asse- gurar aos tribunais constitucionais o cumprimento pleno, mas na justa medida, das funções que lhes cabem. Sempre com total independência dos poderes constituídos. Independência de poderes externos, com um exercício sem tibieza, no seu âmbito de competência, da sub- sistente soberania do Estado. Independência também das contingentes maiorias políticas, eventualmente tentadas a pressionar infundadas posições colaborantes. Independência, até, de sentimentos emotivos de massas que, por compreensíveis que sejam, podem não encontrar arrimo constitucional. É este o repto que, em tempos difíceis, foi e está lançado aos tribunais constitucionais. Sendo fiéis, na sua prática jurisdicional, à função que constitucionalmente lhes cabe, para além de reforçarem a sua legitimidade de exercício, eles contribuem certamente para radicar, na cons- ciência dos cidadãos, a valia da Constituição, como instrumento de garantia e de defesa.
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